Não faltam bloquinhos espalhados por todo o Estado para quem deseja esquecer os problemas e curtir o Carnaval. Apesar de alegre, o ambiente pode ser perigoso, especialmente para as mulheres, vítimas frequentes da importunação sexual. Em 2023, o número de boletins de ocorrência do crime aumentou 14% no Rio Grande do Sul, com 2,5 mil registros, o equivalente a sete por dia, afirma a delegada Eliana Lopes, da Polícia Civil.
Forçar o beijo e passar a mão são algumas das ações que configuram importunação. Em 2018, o ato deixou de ser infração de menor potencial ofensivo e passou a ser crime, com pena de reclusão de até cinco anos, explica Eliana. Mesmo que o problema permaneça forte, o aumento das punições e campanhas relacionadas ao tema, como a Não é Não, fomentam denúncias. Isso faz com que mulheres se sintam mais seguras, inclusive no Carnaval.
A analista de mídias sociais Danieli Schiavon, 23 anos, é uma das mulheres que se sente mais segura ao pular Carnaval. Este é o segundo ano que ela participa da festa em São Lourenço do Sul, na região sul do Estado. Pensando no que vai vestir para a festa, Danieli chegou a questionar se sua roupa poderia provocar alguma ação indesejada.
— Sempre fica aquela dúvida: será que vão achar que estou me mostrando demais? Será que vão respeitar? — comenta.
Mas, para ela, este é um medo que não se concretiza. Ela anda em grupos maiores e acredita que as campanhas reforçam a conscientização sobre assédio sexual, o que a faz se sentir mais segura. O bloco que ela vai participar, o Ziriguidum, já fez postagens nas redes sociais reforçando o respeito às mulheres e orientando sobre como agir em casos de importunação.
A foliã não sofreu nem presenciou casos de assédio nos blocos que participou em São Lourenço do Sul no ano passado.
— Vêm caras querendo agarrar, mas, pelo Não é Não, já entendem e saem fora — comenta.
Quando era mais nova, Danieli participou de festas de Carnaval em Jaguarão. Ela percebe uma evolução na abordagem do tema e relata que se sentia mais insegura antes do que agora.
Alerta na viagem de ônibus
Pela primeira vez, em 2024 a Polícia Civil organizou uma campanha a respeito do tema em parceria com Polícia Rodoviária Federal. Além de fazer publicações nas redes sociais, agentes entram em ônibus de viagem em Porto Alegre, Santa Maria, Caxias do Sul e Pelotas para entregar folders e falar sobre como reconhecer e o que fazer em casos de importunação.
— Importante as mulheres terem este conhecimento para conseguirem ter o discernimento e conseguirem identificar as situação de abusos e importunação sexual, porque, infelizmente, numa sociedade ainda tão machista, estas condutas desrespeitosas eram aceitas e tidas como normais. Hoje é crime — destaca a delegada.
A delegada orienta a vítima a procurar ajuda de pessoas que estejam próximas no momento da agressão para deter o agressor ou importunador. Se estiver em um ônibus, a vítima pode pedir ao motorista que a leve ao primeiro posto policial ou ligar para 191, 197, 181, 180 ou 190.
— Acionar a polícia o mais rápido possível é fundamental. O flagrante é ideal para esses casos, pois facilita a identificação do autor da agressão e sua possível detenção — afirma a delegada.
Caso não seja possível fazer a denúncia na delegacia mais próxima ou por telefone, a vítima deve registrar um boletim de ocorrência. É importante que a vítima reúna o máximo de informações sobre o caso, o cenário dos fatos e as testemunhas.
Informação e acolhimento nos blocos
Também há grupos atuando diretamente nos blocos para acolher mulheres e conscientizar os foliões. O Bloco das Pretas, um dos integrantes do Carnaval da Orla do Guaíba, conta com a parceria da União Brasileira de Mulheres (UBM), assim como o coletivo Themis, com a campanha Respeita as Gurias na Folia, conta Jaqueline Pereira (Negra Jaque), uma das fundadoras do bloco.
Segundo Jaqueline hoje há mais denúncias porque antes as mulheres não tinham a quem recorrer.
— Os casos sempre estiveram aí, a gente só fingia que não estava vendo, ou muitas ficavam escondidas por conta de medo, por causa de muita coisa, e hoje se tem redes de apoio — afirma.
Esta é a segunda vez que o coletivo Themis promove a campanha em que fazem reuniões com blocos e parcerias com trios para divulgar a campanha. Já no Bloco da Laje, que ocorreu no fim de janeiro, o grupo distribuiu leques com informações sobre o que pode ser considerado importunação, a diferença entre paquera saudável e assédio e o que é consentimento, tanto para o público feminino quanto o masculino. Além de conversar com os foliões e divulgar o assunto nas redes sociais.
No leque também há um QR Code para obtenção de informação sobre como registrar uma ocorrência. Além disso, o grupo distribui preservativos e lubrificantes.
Na orla do Guaíba vão ser 12 pessoas da organização neste sábado (10). A ação tem parceria com o coletivo JMCs, dentro do projeto Empoderamento Legal e também acolhe mulheres que passaram por situações de assédio e pode ajudar com encaminhamentos.