Dia desses, enquanto rolava o feed no celular, vi uma postagem mais ou menos assim: “Um dia você saiu para brincar com seus amigos pela última vez e não sabia”. No mesmo instante, lembrei de uma tarde em que estávamos andando de bicicleta em Tubarão, Santa Catarina. Lá por 1992 ou 1993. Não sei se foi a última vez que reunimos aquela turma pra andar de bicicleta. Só sei que não teve nenhuma despedida, ou qualquer fio de consciência da minha parte em abraçá-los para agradecer pela infância divertida que tivemos.
Fez sentido aquela postagem. É como se não soubéssemos quando acaba. Um dia jogamos peão pela última vez. Mas isso, também, terminou e não me dei conta quando foi a última disputa pra ver quem destroçava mais o peão do outro. Será que jogam peão hoje? Era assim: num círculo riscado no chão de terra, o amigo colocava o peão dele deitado, esperando a lanhada. O outro vinha e, com força, atirava o peão por cima, de modo que o prego causasse o maior dano possível. E, ainda assim, a meta era fazer com que o peão agressor pudesse girar aos gritos de todos ao redor. Sem mágoas, apenas brincadeira.
Lembrei quando a gente fechava a rua para grandes disputas de taco. Duas latas de azeite, dois pedaços de madeira e uma bolinha de borracha. Vermelha, pelo que me lembro. Escrevendo isso, agora, recordei daquela sensação de acertar em cheio a tacada! “Ooooohhhhhhh!”, gritavam todos. Tudo muito rápido. Corre pra buscar a bolinha, pula a cerca de arame farpado que, quase sempre, deixava lembranças em alguma parte do corpo. Enquanto a dupla dos tacos corre contando pontos, o pobre arremessador da bolinha tenta encontrá-la. E, quando não consegue, é obrigado a lançar mão de uma das mais relevantes regras: “Bola perdida!”. É a deixa para que os adversários interrompam a contagem. Não há um gatilho definido para evocar este grito, nem sequer um juiz pra avaliar se era o momento. Apenas o acordo de cavalheiros, uma espécie de fair-play que, raras vezes, era questionado. A bola perdida era levada a sério. Até porque, se sumisse, ninguém mais brincava. Todos se juntavam para encontrá-la. Quando será que foi nosso último jogo de taco? Queria ter valorizado essa despedida. Não me dei conta.
Nos fins de semana, pela manhã, nos reuníamos para jogar bola. Era o tempo de acordar, tomar café e esperar alguém chamar, aos berros, na frente de casa. Boa parte das minhas lembranças de infância são mesmo de Tubarão. Foram só três anos lá, depois que nos mudamos de Joinville. Mas foi uma época intensa. Diriam, hoje, que foi uma “infância raiz”.
“Léeeeeeeo!”, alguém gritava. E, muito rapidamente, já estava pronto para ir até a quadra. Nem precisava calçar o kichute. Os tênis eram para jogos importantes. Esses amistosos de sábado e domingo, geralmente, eram com os pés descalços. Não que fosse tão menos importante. A peleia era grande, a emoção palpitava no nosso peito. Jogávamos na quadra da Escola Estadual Angélica Cabral. Ao lado, tinha uma cancha de bocha e uma igreja católica, que íamos todas as sextas à noite. Era uma grande diversão. Às vezes, tinha bingo, onde ganhei alguns galetos assados. “Esse guri tem sorte”, dizia a minha mãe. Mas, voltando ao futebol da infância, lembrei de uma outra regra clássica, que nem sempre era respeitada. Era o chamado lance: “Prensada é da defesa”. Sabe-se lá de onde veio essa, mas encarávamos como uma determinação da Fifa. Era muito difícil saber de quem era a bola, quando ela saía numa jogada em que os dois chutavam ao mesmo tempo. Neste caso, evoca-se o que a entidade máxima do futebol determinou - nas nossas cabeças - “prensada é da defesa”. Às vezes, funcionava.
Lembro-me de subir muito em árvores. Pés de laranja, de goiaba e de bergamota, que chamávamos de laranja-crava. Subíamos e ficávamos lá comendo as frutas por um bom tempo. As tardes passavam lentamente e as risadas ressoavam pelo ar. Até que a mãe chamava. Quando será que foi a última vez?
Talvez tenha sido melhor não saber o exato momento em que a infância terminou. Aquela última volta em bando com as bicicletas, o jogo de taco, o futebol descalço. A infância que nos convidava a viver um dia de cada vez não avisa que foi embora. Talvez de propósito, para que nós nunca a deixemos de lado. Que as crianças ao nosso redor nos façam entender isso. Estou sendo muito otimista? No meio de tantas telas? Acho que depende mais da gente, do que delas, das crianças. Mais leveza, menos ranço. Mais brincadeiras, menos feed.