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A professora de Ensino Fundamental Mauren Rodrigues, 43 anos, divide seus dias entre cuidar das filhas Antônia, nove anos, e Isabella, 17, do pai, Carlos, 66, e da mãe Maria, 65, além de trabalhar e encontrar tempo para conviver com o marido, Rafael, 42. Ela é uma das tantas brasileiras que integra a chamada geração sanduíche — pessoas que cuidam dos filhos (ou netos, em alguns casos) e, concomitantemente, dos próprios pais, geralmente idosos.
Desde o nascimento de Isabella, Carlos e Maria auxiliavam Mauren e chegaram a morar em sua casa. Quando Antônia nasceu, foi a vez de Mauren se mudar para o condomínio dos pais. Logo depois, o pai de Mauren descobriu um câncer. Apesar disso, os avós continuavam sendo o alicerce da família: Carlos levava as netas à escola e as acompanhava em outras atividades. Contudo, com o passar do tempo, o aposentado foi ficando debilitado, e a ajuda se tornou mais difícil.
— Chegou a hora cuidar deles. Minha mãe cuida dos netos, e eu tento cuidar deles. Acompanhamos o tratamento dele e, como moramos no mesmo condomínio, diariamente estamos juntos. Hoje, ele precisa de muitos cuidados, e chegou a hora de retribuir tudo o que sempre fizeram por mim — conta Mauren.
O irmão mais novo de Mauren auxilia no transporte dos pais e em algumas despesas financeiras, enquanto o dia a dia — almoços, supermercado, organização da casa, acompanhamento diário e em consultas médicas — fica por conta da família da professora.
Compreendendo a geração sanduíche
Nos Estados Unidos, uma pesquisa realizada pelo Pew Research Center em 2021 mostrou que 23% dos adultos estadunidenses integram a geração sanduíche. No Brasil, no entanto, não há uma estimativa, e poucos estudos dão conta desse fenômeno.
Geralmente, os "ensanduichados" brasileiros são pessoas entre 30 e 40 anos, conforme Everton de Lima, professor do Departamento de Demografia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e um dos responsáveis por uma das pesquisas mais recentes sobre o tema, realizada em 2015. Esse cenário está relacionado a quedas das taxas de natalidade e a novos padrões reprodutivos, como o adiamento do casamento e, consequentemente, dos filhos, além da diminuição da mortalidade, com crescente envelhecimento populacional. Acompanhando uma tendência percebida em países desenvolvidos, essa realidade tem se tornado cada vez mais comum no Brasil, segundo o professor.
Para Neilson Meneses, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Sergipe (UFS), a geração sanduíche resulta de várias mudanças sociais, demográficas e econômicas, como, ainda, a redução do tamanho das famílias, com menos irmãos para compartilhar responsabilidades; o aumento dos custos de cuidados, o que cria pressões financeiras sobre as famílias e as leva a assumir pessoalmente a responsabilidade de cuidar dos pais; e a falta de estruturas de apoio, quando o sistema de assistência social e de saúde nem sempre é capaz de fornecer cuidados para os idosos. Esses fatores colocam ainda mais pressão sobre as famílias para assumirem o papel de cuidadores.
— Uma característica marcante dessa geração diz respeito ao trabalho realizado, que pode ser classificado como não remunerado e não notado — afirma.
A geração sanduíche também começa a lidar com a juventude extensiva – jovens adultos que conquistam a independência e deixam a casa dos pais tardiamente, em função de estudos ou dificuldades de inserção e consolidação no mercado de trabalho. Ao mesmo tempo, o cenário resulta em adiamento de casamento e filhos. Isso implica um cuidado emocional e, sobretudo, financeiro, por mais tempo. Neste caso, a média de idade dos ensanduichados sobe para 50 a 60 anos.
— A maior questão desse debate da geração sanduíche é o cuidado, de como vai ser distribuído o tempo entre crianças e avós. Como a gente resolve isso? — questiona Lima.
Mulheres sobrecarregadas
Normalmente, a mulher é a figura penalizada na geração sanduíche – o que dialoga com o contexto histórico, no qual as responsabilidades domésticas e o cuidado estavam vinculados a elas. Hoje, elas precisam conciliar as tarefas da casa com as demandas da parentalidade – que, em muitos casos, assumem sozinhas – e o emprego.
— Tal dinâmica mostra-se ainda mais exaustiva, ainda que muitas vezes silenciosa e invisível aos olhos externos — afirma a psicóloga Eduarda Rosa, coordenadora do núcleo de Psicologia Sistêmica do Centro de Estudos da Família e do Indivíduo, destacando que as mulheres negras irão deparar com desafios ainda maiores.
No entanto, os pesquisadores encontraram evidências de que o tempo de ensanduichamento da mulher tem sido reduzido. Isso pode significar que, mesmo estando ensanduichada, a atribuição do cuidado com a criança passa aos avós – uma característica comum em países em desenvolvimento, que, entretanto, está se modificando.
Para a psicóloga social Cristiane Feijó, trata-se de um tema complexo, que passa agora a ser observado por uma sociedade na qual há pressão por produtividade. Ela considera que há uma precarização do atendimento aos cuidadores.
— É isso que a gente tem de começar a se perguntar: quem é que está cuidando do cuidador? — indaga.
É isso que a gente tem de começar a se perguntar: quem é que está cuidando do cuidador?
CRISTIANE FEIJÓ
Psicóloga social
Os impactos do cuidado
Em razão da necessidade de cuidado da casa, da saúde, do rendimento escolar, entre outros, a geração sanduíche é caracterizada por vivenciar uma sobrecarga, com possíveis impactos nos âmbitos psicológico, físico, de mercado de trabalho e financeiro, conforme Neilson Meneses. Cristiane define o lugar do ensanduichado como sendo de tensão e esgotamento, com diminuição da autonomia e do autocuidado.
— Ao mesmo tempo que a família é um lugar de rede e proteção, também pode ser um lugar de adoecimento, isolamento ou enfraquecimento. Se a família é um direito a ser garantido, a gente precisa cuidar para que esse espaço não seja adoecedor, de violência, de rompimento de vínculos — sustenta.
No caso de Mauren, os pais, Carlos e Maria, têm autonomia financeira, o que não configura uma preocupação. Mas há outros efeitos.
— Depois da pandemia, tive de fazer terapia, porque, no meio da pandemia, ainda teve o câncer na bacia do meu pai. E na terapia a gente trabalhou muito isso, ela sempre me disse: "Mauren, tu tem a tua mãe, o teu pai, as gurias, mas ainda tem tu e o Rafael". Eu não tenho muito tempo para me cuidar, mas a gente gosta muito de sair, de ir a show, e agora, com as gurias maiores, temos nos dado esse direito — conta a professora.
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Mauren conta com o irmão e outros apoios para poder priorizar esse momento ao menos uma vez por mês.
— Claro, eu nunca saio 100% tranquila, porque a gente fica com o celular o tempo inteiro ali na mão. Mas eu estava adoecendo de não ter esse momento — declara.
O estresse do dia a dia e do trabalho soma-se ao de lidar com duas faixas etárias distantes, com suas peculiaridades desafiadoras. Contudo, a professora destaca a ajuda que recebe da filha de 17 anos e do marido e ressalta que, apesar da doença, os pais não demandam cuidados maiores. Assim, mesmo com todas as dificuldades, Mauren agradece todos os dias por ter saúde para poder cuidar da família, conseguindo atender tanto as filhas quanto os pais. Ter Carlos e Maria perto de Antônia e Isabella a deixa feliz – e poder retribuir aos pais "faz tudo valer a pena".
— Confesso que às vezes estou muito cansada, sem vontade, mas eu faço, porque, depois que estou lá, passa, e faço com prazer. É difícil, mas é gratificante — resume.
Buscando apoio
A psicóloga Eduarda Rosa ressalta que as pessoas chegam ao consultório de diferentes formas, como na busca por terapia de família, devido às dificuldades de um filho ou pelo humor deprimido do idoso ou de algum dos cuidadores. Elas também podem chegar por um episódio de burnout, em função do excesso de trabalho e responsabilidades, ou até mesmo por sintomas de ansiedade.
— A pessoa pode deparar com sintomas de humor deprimido, ansiedade, altos níveis de estresse, burnout, além de experienciar, por vezes, culpa e/ou vergonha, por sentir que não dá conta da situação como gostaria — explica.
As consequências, por sua vez, são distintas para cada sujeito e tendem a influenciar não somente as relações em família, mas também os diversos contextos em que esses cuidadores estão inseridos, como trabalho e amizades.
Além disso, ainda que os filhos contribuam com despesas e os idosos com a aposentadoria, a maior parte da responsabilidade financeira tende a se manifestar nos adultos da geração sanduíche. Enquanto percebe-se as mulheres fatigadas pelo papel do cuidado, os homens se veem como responsáveis pelo papel de prover. Isso pode levar a ausências em casa, níveis elevados de estresse e adoecimento emocional, segundo Eduarda.
Na visão de Cristiane Feijó, essa realidade pode ser potente ao promover o convívio entre gerações. A psicóloga também vê o fortalecimento da coletividade na perspectiva do cuidado como uma demanda que despontará, bem como a necessidade de que essa questão não seja percebida como algo individualizado.
Nesse mesmo sentido, para lidar com esse cenário, é necessário ampliar a rede de apoio, a fim de descentralizar o cuidado, para que não fique restrito a uma ou duas pessoas, sugere Eduarda Rosa. A especialista aconselha a busca pelo fortalecimento de laços comunitários, ativando relações próximas e estreitando aquelas não tão próximas, considerando que a tendência, nesses momentos, é de isolar-se.
Além disso, é importante acolher as diferentes emoções que emergirem, por mais difíceis e desagradáveis que sejam, interpretando-as como naturais e parte do processo.
— Junto, reconhecer seus limites, buscando espaços de cuidado. Assim como dito nos voos comerciais, em casos de despressurização, coloque primeiro a sua própria máscara de oxigênio, antes de auxiliar quem estiver ao lado. Sem a nossa máscara bem estabelecida, não conseguiremos cuidar do outro. E, quando necessário, procure auxílio profissional — conclui Eduarda.
Políticas públicas
O Brasil enfrenta uma escassez de casas de repouso financiadas pelo Estado, conforme Everton de Lima. Desta maneira, as pessoas com mais condições de lidar com esse desafio possivelmente são aquelas em situação financeira favorável, que permite colocar o idoso em uma casa de repouso privada – o que costuma ser altamente dispendioso – para conseguir destinar o tempo apenas ao cuidado dos filhos. Por outro lado, na outra ponta, a escola em tempo integral já começa a representar uma maior facilidade. Para o professor, é necessário um debate a respeito de políticas públicas.
A psicóloga social Cristiane Feijó avalia que as políticas voltadas aos idosos e à juventude ainda são deficitárias. Já a participação nessas discussões é limitada e vista como onerosa. Contudo, a especialista destaca que as questões sociais precisam ter um enfrentamento coletivo. No mesmo sentido, por se tratar de transformações sociais, Eduarda Rosa afirma que não é possível olhar para as pessoas implicadas de forma isolada, sem considerar o papel do Estado:
— Portanto, precisamos, primeiramente, de políticas públicas para dar conta tanto do envelhecimento populacional quanto da equidade de gênero e de raça, a fim de que todos tenham acesso aos seus direitos.