Faz poucos dias que voltei ao trabalho, na Rádio Gaúcha, após seis meses em licença-maternidade. Nesse período em que virei mãe, me transformei também na pessoa que cumprimenta os outros e já mostra uma foto da filha. Se converso com alguém no Whats, muitas vezes mando uma foto dela também. Minha foto de perfil é com ela. Meu Instagram virou dela! Chamam isso de corujice. Não fujo à regra das demais mamães que, orgulhosas, falam de seus bebês.
Nesse retorno, todos querem saber se ela dorme bem, se mama bastante e, agora, com quem ela está ficando para que eu possa retomar a vida profissional. Quando contei ao colega Ronaldo Bernardi, fotógrafo de Zero Hora, que a Antônia - este é o nome da minha filha, nascida em março deste ano - estava aos cuidados da babá e que eu tinha conseguido a mesma pessoa que cuidou de mim quando pequena, ele me olhou com um ar emocionado e disse: "Tu precisas contar essa história". De fato, eu preciso e vou contar a vocês um pouco dessa história. Esse texto é sobre a infância, e acredito que nossas memórias da vida nos acompanham e nos constroem como adultos, por isso misturo os tempos.
A Marlene conheceu minha família lá em Três de Maio, no interior gaúcho, e desde então esteve próxima. Quando nasci, foi a pessoa que ajudou a minha mãe na criação da caçula dos três filhos. Guardei na memória o afeto e o carinho que recebi. É verdade que muito mais pelas histórias que minha mãe contou ao longo desses anos, já que ficamos juntas apenas nos meus dois ou três primeiros anos. Depois de um bom tempo sem contato, nos reencontramos há pouco menos de uma década. Quando engravidei, desejei muito que a mesma Marlene pudesse cuidar da minha filha e, depois de idas e vindas, deu certo, e elas se amam desde o primeiro dia juntas.
Do meu tempo de criança, nunca esquecerei do cheiro da minha mãe, sempre pertinho de mim. Da mão dela, quentinha, segurando a minha. Lembro de quando eu tinha dor de ouvido e ela dormia agarradinha comigo. E da vez que peguei um livro, deitei na cama e chorei olhando as páginas finais. Eu nem sabia ler direito, mas tinha visto essa cena com ela como protagonista, minutos antes, e quis imitar. Guardo também os ensinamentos do meu pai sobre cuidar do que ganho. Bancário, ele sempre disse que quem não dava valor aos pequenos, não merecia os grandes. Para explicar na prática, certa vez me deu R$ 10 em moedas de um centavo. Passei a tarde contando e comprovando que precisava daquilo tudo para comprar algo. E acreditem: na época, R$ 10 compravam alguma coisa legal nas lojinhas da praia no verão. Também sempre estranhei quando diziam que não tinham dinheiro para algum brinquedo que eu pedia. Como, se meu pai trabalhava no banco? Não sabia de nada, a inocente.
Entre as memórias, não posso deixar de falar do quanto é valioso ter irmãos. Me desculpem os filhos únicos, mas ter irmão é a melhor coisa do mundo. Mesmo quando eles são mais velhos e te fazem de boba muitas vezes. Meu irmão, com sete anos a mais, dizia duvidar da minha força para buscar uma coberta para ele, que estava jogado no sofá vendo TV depois do colégio. Eu, metida a esperta, não só caía como trazia com uma mão, pra mostrar que conseguia. Minha irmã é dez anos mais velha do que eu. Quando arranjou o primeiro namorado me senti traída. É sério! Fugi de casa com minha Caloi roxa de rodinhas, mas fui resgatada uma quadra depois. Aceitei melhor o relacionamento quando ela me levou na locadora e pegamos a fita de A Bela e a Fera para assistir pela milésima vez. Era meu filme preferido. Ela também comprou Pingo D´Ouro, meu salgadinho favorito. Pronto! Fiquei bem de novo e a vida seguiu.
Minhas avós são um capítulo especial da infância. Na Vó Tila, frequentávamos a venda da esquina. Sempre tinha Fruki de garrafa de vidro, e eu gostava ainda mais da Fruki limão, acompanhada do bolinho que ela fazia. Na casa da Vó Angelina, estão as grandes lembranças da convivência com meus primos. Da comida de vó. Da carne de panela com polenta. Da água do poço artesiano na caneca gelada de alumínio. Água não tem gosto, mas aquela eu me lembro que era diferente. Tudo era diferente, tudo era mais legal, mais intenso, maior. O Natal era mais emocionante. Os abraços eram mais demorados. Lembro do cheiro da infância e tenho saudade do tempo que os anos não trazem mais, como dizia o poeta. Notem que não falei de coisas, mas de pessoas e de momentos que me marcaram. Espero agora proporcionar à minha filha a criação de memórias de uma vida feliz. Mais nada!