Um levantamento feito pelo Instituto Datafolha e pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) preparou um panorama sobre o trabalho voluntário no Brasil, celebrado nacionalmente em 28 de agosto. Segundo a Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, 34% dos brasileiros atuam de alguma forma no voluntariado. Esse número representa uma parcela da população mais de três vezes maior do que a que realizava algum trabalho voluntário na última pesquisa, feita em 2011. Desses 34%, cerca de 65% fazem trabalho voluntário sem frequência definida.
A pesquisa, cujos dados foram colhidos entre o fim do ano passado e o início deste ano, ouviu 2.086 pessoas, com margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
— Trabalho voluntário é doar tempo e trabalho de forma espontânea e sem remuneração para atividades voltadas para comunidade — define Kelly Alves do Carmo, cientista social e consultora do projeto.
A população de oito capitais brasileiras, destacadas pelo fluxo populacional, foram pesquisadas com maior detalhamento: São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador, Fortaleza, Manaus, Curitiba e Porto Alegre. Para a população que afirmava realizar trabalho voluntário, uma segunda etapa da pesquisa especificou as atividades realizadas com entrevistas direcionadas.
O perfil do voluntário brasileiro médio
As pessoas que realizam trabalho voluntário no Brasil ainda são majoritariamente mulheres: 51%, contra 48% de homens — em 2011, a diferença era maior, de seis pontos percentuais. O voluntário médio brasileiro envelheceu, passando de idade média de 39 para 43 anos na última década. Dentre os voluntários, 40% têm de 30 a 49 anos de idade e 37% têm mais de 50 anos. A parcela de voluntários que tem de 18 a 29 anos de idade diminuiu substancialmente na última década, passando de 33% para 23%.
Os resultados mostram que, além dos 34% de voluntários ativos, outros 22% dos brasileiros dizem não realizar trabalho voluntário no momento, mas já ter feito em algum momento anterior. Em 2001, primeira pesquisa da série histórica, apenas 18% realizavam ou tinham realizado algum trabalho voluntário. O tempo médio de horas investidas pelo voluntário brasileiro é de 18 horas mensais, em comparação às cinco horas da última pesquisa realizada.
Em termos socioeconômicos, destaca-se o fato de que 59% dos voluntários ganham até três salários mínimos e 72% não possuem Ensino Superior completo. Apenas 17% dos voluntários ganham mais de cinco salários mínimos. Da população voluntária brasileira, 56% se autodeclara preta ou parda.
— O que a gente observa é que nas associações de bairro e de igrejas houve grandes mutirões de trabalho voluntário. É um dado que realmente chama muito a atenção — comenta Kelly.
Mesmo assim, o trabalho voluntário junto a associações religiosas diminuiu relativamente de 2011 para 2021, de 16% para 13% das atividades realizadas. As ações de captação de doações também diminuíram consideravelmente, de 55% para 41%. Destacam-se positivamente os aumentos no trabalho junto a animais, passando de 1% para 9%, ao meio ambiente, de 1% para 6%, e junto à população em situação de rua, passando de 5% para 25%.
Durante o período de restrições impostas pela pandemia de covid-19, 21% dos voluntários realizaram atividades de forma online. Além disso, 81% dos entrevistados afirmaram que o interesse em realizar atividades voluntárias aumentou durante o período de emergência sanitária.
O voluntário porto-alegrense
Porto Alegre é a capital que mais realiza trabalho voluntário com frequência definida, com 56% dos participantes afirmando ter uma periodicidade regular em suas atividades. A Capital também é o município com mais voluntários inseridos na População Economicamente Ativa (PEA) e com trabalho fixo fora de casa em período integral, com 83% e 48% dos seus voluntários, respectivamente.
Ao lado de Curitiba, a capital gaúcha é a única em que a maior parte dos voluntários é oriunda das classes A e B, com apenas 42% dos voluntários ganhando até três salários mínimos. A pesquisa aponta que, diferentemente do perfil do voluntário nacional, o porto-alegrense é majoritariamente branco, com 67% dos voluntários, contra 30% de pretos e pardos. Por outro lado, assim como nas médias nacionais, o voluntário porto-alegrense também não é jovem: 78% das pessoas têm 30 anos ou mais.
A pesquisa aponta que 54% dos voluntários porto-alegrenses têm ensino superior completo, sendo a única capital em que a maior parte dos participantes têm diploma de graduação. Curiosamente, segundo o levantamento, nenhum voluntário da capital gaúcha com Ensino Superior atua profissionalmente em áreas de Ciências Exatas. Os porto-alegrenses são os que mais confiam no voluntariado feito por escolas, universidades, Organizações Não-Governamentais (ONGs) e associações de bairro. Por outro lado, a capital gaúcha é a que menos confia no trabalho voluntário liderado por associações religiosas e a cidade em que menos se atua por motivação religiosa, com apenas 8% dos voluntários trabalhando com essa razão.
De acordo com a pesquisa, Porto Alegre é a cidade brasileira em que os voluntários mais atuam independentemente, com 30% do público. A Capital também se destaca no voluntariado empresarial, com 26% dos voluntários atuando através de empresas.
— Nos anos 90, empresas começaram a buscar engajamento social junto à comunidade e passaram a incentivar a participação dos funcionários. Algumas empresas cedem horas do funcionário ou dão recursos para que eles atuem voluntariamente — explica Kelly.
Um quinto dos voluntários porto-alegrenses realiza seu trabalho há mais de uma década, com média de atuação há sete anos. Em termos de frequência, o voluntário de Porto Alegre dedica-se, em média, sete vezes por mês à sua atividade, com 18 horas médias mensais.
— O trabalho voluntário melhora nossa auto-estima, nosso círculo de relações, descobrimos potencialidades e a troca de experiências é incrível — comenta Erica Myllius, presidente da ONG Cataventus, que conta com cerca de cem voluntários em Porto Alegre.
A Capital também apresenta números singulares no que diz respeito à atuação junto a crianças, adolescentes e população em situação de rua, sendo a capital brasileira que mais atende esses públicos. Em Porto Alegre, 40% dos voluntários dedicam-se a ações voltadas a crianças e adolescentes, e outros 35% fazem atividades junto à população e situação de rua. Outros 18% fazem atividades voltadas à cultura e ao lazer, o dobro da média nacional.
Histórias, brincadeiras e assistência social
Um desses exemplos está no trabalho desenvolvido pela ONG Cataventus. Mantida apenas por voluntários, ela traz contações de histórias, brincadeiras e assistência social sobretudo para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, mas também para pessoas com deficiência e para idosos. O grupo atua há 24 anos, sendo criado oficialmente em 2003.
A Cataventus tem 12 projetos diferentes, relacionados à Educação, Meio Ambiente e Assistência Social.
— A gente tava despretensiosamente fazendo um trabalho pequeno, nunca pensamos em chegar onde chegamos — comenta a presidente da ONG.
De acordo com Erica Myllius, que tem 76 anos e é professora aposentada, um dos diferenciais da Cataventus é não ter uma sede onde recebe pessoas para atendimento: a ONG vai onde as pessoas estão, destacando-se escolas e asilos.
Erica, conta ter começado seu trabalho voluntário há 51 anos, contando histórias em escolas. Hoje, ela atua na coordenação dos projetos da Cataventus, já que enfrenta um problema nas cordas vocais.
— Atendemos todo o Rio Grande do Sul e nosso trabalho é 100% voluntário. Às vezes vamos por conta, mas às vezes é necessário uma ajuda — comenta a presidente.
A ONG tem algumas parcerias, como as feitas com o Sesc e a Trensurb. Com esta, é feita a “Viagem Encantada”, realizada próximo ao Dia do Livro (18 de abril). Em uma viagem de trem de Porto Alegre a Novo Hamburgo, voluntários fantasiados distribuem cerca de 300 livros a partir de parceria com o Banco de Livros. Outros parceiros são o Jardim Botânico de Porto Alegre e a Orquestra Villa-Lobos.
— A gente tem um trabalho muito legal de cultura e lazer, com trabalho social sempre junto — acrescenta Erica.
Os voluntários são divididos em categorias como “de semana”, “de fim de semana”, oficineiros e músicos. Não é demandado nenhum custo para a participação, mas é necessário ter disponibilidade de tempo.
Nesses quase vinte anos, a ONG afirma ter atuado junto a 335 mil pessoas e, além das parcerias, sobrevive através de doações, já que não tem qualquer ajuda do poder público. Para quem tem interesse em ajudar a Cataventus, que conta hoje com cerca de 100 voluntários, contatos podem ser feitos através do e-mail cataventus@cataventus.org.br.