Uma peça de 77 cm, feita em cedro, que por décadas permaneceu sobre o altar-mor da Catedral Diocesana de Cruz Alta, ganhou importância histórica ao ter confirmada a origem e data aproximada de criação, depois de um estudo realizado na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). O ostensório do Divino Espírito Santo faz parte das peças das reduções jesuítas e tem cerca 300 anos.
Durante seis meses deste ano, a peça foi estudada detalhadamente pelo professor e coordenador do Grupo de Pesquisa Arte Sacra Jesuítico-Guarani e Luso-brasileira da PUCRS, Édison Hüttner. Conhecido nos meios acadêmico e religioso pela dedicação ao localizar e buscar a identificação de peças históricas e raras, Hüttner mergulhou em livros de história, analisou imagens de outras peças da época já identificadas, coletou amostras do ostensório, que foram analisadas no Laboratório Central de Microscopia e Microanálise da universidade, o submeteu a uma tomografia no Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul (Incer) e à descontaminação por meio de um aparelho de luz ultravioleta (UV-C) desenvolvido pelo cirurgião bucomaxilofacial e doutor em Gerontologia Éder Abreu Hüttner, irmão de Édison.
Uma das descobertas é que a a escultura tem detalhes em policromia, técnica em gesso muito utilizada pelos jesuítas. As cores amarela, azul e vermelha são um aspecto muito importante da tradição da arte jesuítica. O professor explica que, para a cor amarela, se utilizava gema de ovos com pigmentos de cor. Já o tom vermelho indica presença de laca vermelha ou urucum. O azul era feito com produtos trazidos da Europa pelos jesuítas.
— Outro detalhe importante são os cravos missioneiros, que se apresentam como uma das características marcantes das obras sacras missioneiras entre os séculos 16 e 18 — justifica o pesquisador.
Desde 2005, Hüttner busca objetos religiosos pertencentes às reduções dos padres jesuítas que vieram ao sul do continente, a partir do século 17, para catequizar os índios no Brasil, na Argentina, no Paraguai e no Uruguai. Qualquer palavra ou símbolo encontrados nas relíquias — sejam eles jesuítico-guarani, afro-brasileira ou indígena — o auxilia a iniciar as conexões necessárias.
Foi o contato do arquiteto e especialista em arte-sacra e espaço litúrgico, Cristtiano Fabris, que levou o professor de Porto Alegre a se interessar pela peça de Cruz Alta. Fabris é o responsável pela revitalização interna da catedral, que esteve fechada nos últimos dois anos e quatro meses para as obras.
— Quando vi o ostensório, percebi que ele tinha um estilo barroco e poderia ter um valor histórico, pois fugia do padrão do restante do altar-mor, que é em estilo neogótico (a partir do século 19). Espero que esta confirmação desperte nas pessoas o interesse pelas peças mais antigas, pois há muitas por aí sem terem o devido valor — comenta Fabris.
Segundo Hüttner, o ostensório da Catedral de Cruz Alta é uma peça rara, difícil de ser encontrada, pois na época este tipo de escultura era produzida em menor quantidade do que a de santos.
Pesquisador restaurou ostensório
Com a orientação da artista plástica Carla Rigotti, responsável pelo setor de restauração do Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS, Hüttner restaurou a peça antes de devolvê-la a Cruz Alta.
Acompanhados do doutorando do curso de Pós-Graduação em História Cláudio Lopes Preza Junior, o trio removeu as camadas de tinta sintética (de uma restauração anterior feita há mais de quatro décadas) e fixou com cola para madeira os membros superiores soltos e aplicaram resina natural e transparente para servir como impermeabilizante.
Catedral celebrará a volta do ostensório
No próximo dia 13, a Catedral Diocesana de Cruz Alta reabrirá as portas, a partir das 9h, para uma bênção e dedicação interna da Catedral. Devido a pandemia de coronavírus, a participação será restrita a 150 pessoas (30% da capacidade), mediante confirmação antecipada pelo telefone (55) 3322-1258. A transmissão também ocorrerá pelo canal do Youtube e pelo Facebook da Diocese de Cruz Alta. A Diocese de Cruz Alta promete uma grande festa para os fiéis ao final da pandemia.
Saiba mais
Segundo Édison Hüttner, a frente do ostensório apresenta uma rica simbologia de cores:
- 25 raios na cor amarela. Há partes em vermelho, que representa o fulgor do sol. Este sol, luz que refle o próprio Jesus Cristo.
- Dez nuvens na cor azul clara. As nuvens representam os céus. O mundo celeste onde habita a Trindade.
- Três colunas de línguas de fogo na cor vermelha. As chamas simbolizam o fogo que reflete do Espírito Santo.
- Um triângulo na cor amarela. Representa a Trindade.
- Na base com detalhes em desenhos e arte barroca nas cores azul índigo, amarelo e vermelho.