O índice exigido para participar da 124ª Maratona de Boston, nos Estados Unidos, havia sido alcançado, o hotel estava reservado e as passagens, compradas. A analista de sistemas Rosmaria Zambon, 58 anos, tinha a faca e o queijo nas mãos para realizar o sonho de percorrer os 42,195 quilômetros de uma das mais famosas corridas do mundo.
Surgiu o coronavírus, o país norte-americano despontou como o epicentro da pandemia e a maratona foi cancelada menos de um mês antes do seu início. Os empecilhos surgiram, mas Rosmaria afastou os móveis da sala, colocou a roupa de corrida, acionou o cronômetro, passou a treinar dentro de casa e chegou, até mesmo, a percorrer mais de meia maratona na sala do lar.
A paixão pela corrida, exercício que pratica há sete anos, fez com que a analista de sistemas não saísse mais de casa para correr. Mas a residência espaçosa, aliada à força de vontade para estar em forma para quando as competições voltarem a ocorrer na rua, a motivaram a criar uma rotina de preparo. Todos os dias, às 7h, ela se conecta à plataforma Zoom para assistir à aula de funcional que seu treinador do clube de corrida ministra. Após a aula, são percorridos cinco quilômetros na "pista hamster" criada por ela. Cadeiras foram afastadas e, ali, foi criada uma pista oval.
— Para não forçar muito um lado dos pés, a cada quilômetro percorrido, eu inverto o sentido da corrida. E foi nessa "pista hamster" improvisada que eu corri 24 quilômetros no dia em que seria a maratona de Boston, em 20 de abril. Levei muito a sério. Deixei garrafas de água e reposição de água em gel em cima da mesa. Fiz tudo certinho, como se fosse a corrida de verdade. Foram 2h49min de corrida — relembra.
Com 15 anos de experiência no ramo, o treinador de atletismo Leonardo Ribas, professor de Rosmaria, afirma que plataformas como Zoom, WhatsApp e Instagram se tornaram grandes aliadas neste momento de distanciamento social, tanto para estreitar laços entre os corredores e técnico quanto para auxiliar nas aulas:
— Nos grupos, a gente fica se atualizando sobre o cotidiano uns dos outros e, com as videochamadas das aulas, eu consigo corrigir a postura deles em algum exercício funcional no momento da execução, assim como era nas aulas presenciais.
O mesmo é feito pelo educador físico Davi Grass. Ele, que já foi corredor amador na modalidade de trilhas, acentuou o processo de digitalização do seu trabalho nos últimos meses. Ao todo, 30 pessoas – moradores da Capital, de outros Estados ou países – são mentoradas por ele. Por isso, aplicativos e plataformas de monitoramento de evolução dos clientes já eram utilizados, mas, agora, esse uso foi intensificado.
— Antes, eu acompanhava de perto os que moravam em Porto Alegre. Acompanhava os treinos físicos e, aos finais de semana, íamos a parques para eu analisar postura, pisada etc. Agora, faço tudo pelo celular. Peço para que gravem, a cada 20 dias, em câmera lenta, parte da corrida na esteira para que eu possa estudar o tempo de voo entre uma passada e outra, e o tempo de contato do pé no solo, que são itens importantes para se melhorar o desempenho em uma corrida — observa.
Motivação online
O advogado porto-alegrense Mário do Nascimento, 52 anos, era outro que estava de malas prontas para as maratonas de Tóquio, no Japão, e de Londres, na Inglaterra, que seriam realizadas neste ano. Com o cancelamento de ambas e o endurecimento das regras de distanciamento em meados de março, na Capital, ele ficou dois meses sem correr na rua. Focou nos exercícios funcionais para fortalecer músculos das pernas, braços e manter o aeróbico em dia por meio de aulas online e apps que mostram os movimentos a serem feitos. Nos grupos online, ele encontrava a motivação para não desistir dos treinos em casa.
— Não ter uma corrida em vista acaba desestimulando a gente, mas, com o grupo tem uma espécie de efeito manada para que a gente não desista dos treinos em casa e incentive uns aos outros. Fora que, se a gente recebe a foto do grupo inteiro que treinou e a gente não, bate uma culpinha — diverte-se o advogado.
Com a flexibilização das regras, Mário passou a correr em lugares ermos da cidade ou em horários de pouco fluxo. Por meio de aplicativos de corrida, que funcionam também como uma rede social, ele via pelos comentários dos usuários locais que não tinham aglomeração de pessoas e onde havia um solo não muito irregular. Por meio do app usado por ele, os resultados são compartilhados com o treinador. Posteriormente, Mário recebe um feedback do que pode ser melhorado e dos avanços que foram feitos.
— Corro há 25 anos, seis vezes na semana. Essa prática é um hábito para mim. Com o novo endurecimento das regras, até a academia do meu prédio foi fechada, voltei a correr na rua tendo ainda mais cuidado. Foi um processo difícil, porque uso óculos e ficava tudo embaçado, mas, agora, estou usando uma máscara diferente que tem me auxiliado — diz.
Para quem deseja correr na rua
Professora de Biologia Molecular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e corredora de longas distâncias desde 1993, Ana Gorini da Veiga é direta quando o assunto é se exercitar na rua:
— Se você tem força para correr cinco ou 10 quilômetros, força e determinação para correr 20 quilômetros, força, determinação e cabeça para percorrer 42 quilômetros, você consegue ficar em casa.
Ela aponta que pular corda e outros exercícios de estabilidade auxiliam no treinamento em casa, mas repassa outras ações que ela coloca em prática levando em consideração a sua vida como corredora e pesquisadora.
- O ideal é correr quando não há ninguém na rua. Um bom horário é às 5h30min.
- Não se pode correr em grupo ou dupla.
- Tenha cuidados com a etiqueta de espirro e tosse durante a prática do exercício.
- Respeitando as duas primeiras dicas, não é preciso usar máscara, até porque ela vai encharcar em poucos minutos de corrida e sua principal função, que é a filtragem do ar, não será exercida, porque ela estará úmida, explica a especialista.
- Caso opte por usar a máscara, leve, para uma corrida de 20 minutos, quatro máscaras de reserva para ir trocando no decorrer do tempo.
Veja como manter seu corpo pronto para a volta das corridas
Os treinadores Ribas e Grass dão dicas do que pode ser feito dentro de casa para manter a forma
- 1. Respiração abdominal
A respiração deve ser feita pelo abdômen, e não pela parte superior do peito. A respiração diafragmática deve ser feita no início do treino, deitado com as pernas apoiadas sobre algum objeto (cadeira, pufe) - 2. Aquecimento
O aquecimento é importante, ainda mais nas baixas temperaturas. Deve-se aquecer especificamente as articulações – tornozelo, joelho, quadril, coluna lombar – envolvidas nos exercícios voltados para a corrida. - 3. Exercícios
Faça 30 segundos de cada: polichinelo, elevação de joelho, corrida estacionária e saltinhos, como se estivesse pulando corda. Ao completar os dois minutos, descanse por um minuto. E repita essa série por 15 vezes. Isso fechará um ciclo de 30 minutos de treino. - 4. Força
Encerrada a parte cardiorrespiratória, faça três séries de 12 repetições de cada um dos exercícios a seguir:
Agachamento – faça o movimento de flexão de quadril, joelhos e mantendo abdominal contraído. Desça até o ponto onde os joelhos passem levemente a ponta dos pés.
Abdominal remador – aquele que você sobe até o topo.
A fundo – Em pé, com o tronco reto e os pés na largura dos ombros, projete uma das pernas para frente e flexione o quadril, os joelhos e os tornozelos. Desça o tronco numa posição vertical e mantenha um alinhamento de perna.
Membros superiores: em pé, com o tronco reto e os pés ligeiramente afastados. Com os braços ao lado do corpo, palma das mãos voltadas para seu corpo e braços estendidos, levante os pesos até a linha dos ombros, direcionando a força no bíceps. Na sequência, realize a extensão de braços, projetando-os para cima, direcionando a força em ombros e tríceps. - 5. Sobrecarga
Em todas essas opções, você pode utilizar seu próprio peso corporal. Se preferir, utilize garrafas de água de 1,5 litro a cinco litros ou sacos de um quilo de alimento e aumente a carga conforme a sua necessidade.
Aplicativos para treinar em casa
Nike Training Club – Oferece treinos gratuitos, com e sem peso, de 15 a 45 minutos, separados por níveis: iniciante, intermediário e avançado. Compatível com Android e iOS.
Freeletics Bodyweight - tem mais de mil variações de treino com o peso do próprio corpo, muitas focadas em treinos de alta intensidade. O app tem uma versão paga e é compatível com Android e iOS.
BTFit – traz instruções em vídeo e séries para fazer exercícios sem nenhum equipamento. O aplicativo tem programas voltados a preparo físico, definição muscular, entre outros. Ele está disponível para Android e iOS e permite um teste gratuito por sete dias.