Eis uma boa notícia: contrariando a ideia que muitos têm de que em três dias o mundo se vai pelos ares e de que é preciso resolver e decidir a vida antes de 31 de dezembro, a virada do ano só traz uma mudança de calendário e, comumente, tudo permanece igual. Nós continuamos os mesmos e, salvo alguma exceção, tudo ao nosso redor segue inalterado. Então, por que temos essa urgência de tomar tantas decisões às vésperas do Réveillon?
Lá em 2015, em entrevista a GaúchaZH, o psicanalista e professor da Universidade de São Paulo (USP) Christian Dunker recomendou:
— Tome suas decisões em janeiro. Nunca tome uma decisão entre o Natal e o Ano-Novo.
Por trás do conselho, está o cenário no qual acaba mos imersos durante esse período: estresse elevado e sobrecarga de atividades, o que nos impede, muitas vezes, de fazer uma análise profunda do que realmente queremos. Na reta final de 2019, ZH conversou novamente com Dunker e também com outros especialistas para saber se realmente existem decisões que devam ser proteladas e quais são elas.
Primeira dica: evite as decisões dramáticas
Para a psicóloga e diretora da Clínica de Stress e Biofeedback Ana Maria Rossi, por ser um período sensível, no qual estamos com o nível de estresse maior, o ideal é fugir das decisões radicais e que tenham grande reflexo tanto na sua vida quanto na de quem o cerca. Como um divórcio ou mesmo uma mudança de endereço abrupta.
O melhor é não tomar decisões dramáticas nos últimos dias do ano, quando todo o nível de emoção vai estar aflorado. A recomendação é avaliar o impacto que isso vai ter em todas as pessoas da família e o custo-benefício de começar à 0h01min.
ANA MARIA ROSSI
Psicóloga
— Infelizmente, nesse ímpeto de uma mudança radical no modo de viver, as pessoas já terminam o ano tomando decisões a respeito daquilo que as afeta. São decisões pensadas, mas tornadas públicas em um momento inoportuno. Que diferença vai fazer se eu não fizer no dia 31, mas no dia 2? Há esse simbolismo de “à 0h01min vou começar com um novo sentido na minha vida”. O melhor é não tomar decisões dramáticas nos últimos dias do ano, quando todo o nível de emoção vai estar aflorado. A recomendação é avaliar o impacto que isso vai ter em todas as pessoas da família e o custo-benefício de começar à 0h01min — diz Ana Maria.
O cuidado especial deve ser tomado, principalmente, quando falamos em separações de casais com filhos pequenos ou adolescentes.
Christian Dunker defende que não é o ato de decidir ou não que conta, mas sim a avaliação que foi feita antes de tomá-la.
— Não é que não tomem decisões. É que decisões para valer convocam na gente a relação de consequencialidade. Decisões tomadas de um balanço mal feito e promessas de Ano-Novo baseadas na reforma (pessoal) e em sonhos gloriosos de que tudo vai se resolver “porque vou perder três quilos” são feitas em um espaço de tempo de 15 dias. É uma situação em que se olha para vida de binóculo, de muito longe — critica o psicanalista.
Tem quem pense: ‘O que está errado é a paisagem, vou mudar para a Austrália’. É o tipo de decisão baseada no fato de que o outro está impedindo você de ser feliz. Esse é o tipo de decisão prêt-à-porter, que sai do armário nessas ocasiões. A recomendação é: olhe para si antes de diagnosticar o mundo.
CHRISTIAN DUNKER
Psicanalista
Dunker vai além:
— Tem quem pense: “O que está errado é a paisagem, vou mudar para a Austrália”. É o tipo de decisão baseada no fato de que o outro está impedindo você de ser feliz. Esse é o tipo de decisão prêt-à-porter, que sai do armário nessas ocasiões. A recomendação é: olhe para si antes de diagnosticar o mundo. Um bom processo decisório tem essa ponderação. Mudanças importantes que fazemos na vida precisam de espaço e tempo.
Mais do que espaço e tempo, decisões cruciais devem ser feitas em um período de tranquilidade, não em meio a um turbilhão de emoções e atividades, como acontece em dezembro. Fernando Gomes, neurocirurgião do Hospital de Clínicas de São Paulo, lembra que, quando estamos descansados, com o sono e a alimentação em dia, tendemos a ter mais tranquilidade no processo decisório:
— Decisões que necessitem de maior clareza de pensamento, se puderem ser adiadas, melhor, para que não se tenha influência negativa de distratores de atenção que impactem na sua escolha do que fazer.
Segunda dica: entender o que torna uma decisão urgente
Refutando a ideia coletiva de que o novo ano é um livro em branco prontinho para ser escrito como a gente bem entender, o jornalista e psicanalista Paulo Gleich acredita que as resoluções devam ser desenhadas com calma e levando em consideração a importância delas: qual a sua relação com a decisão? Quais são seus obstáculos e por que você não conseguiu fazer até agora? Responder essas questões é um bom ponto de partida para esboçar o que está por vir.
As resoluções têm essa ideia da ilusão de que se ganha uma página em branco na qual se pode escrever o que quiser do jeito que quiser, mas na verdade não mudou nada. O calendário é novo, mas a gente é a mesma pessoa do dia anterior. Mais do que fazer uma lista de resoluções, talvez seja importante perguntar sobre aquilo que tanto se diz querer e não se consegue fazer.
PAULO GLEICH
Psicanalista
— As resoluções têm essa ideia da ilusão que se ganha uma página em branco na qual se pode escrever o que quiser do jeito que quiser, mas na verdade não mudou nada. O calendário é novo, mas a gente é a mesma pessoa do dia anterior. Mais do que fazer uma lista de resoluções, talvez seja importante perguntar sobre aquilo que tanto se diz querer e não se consegue fazer. Pensar e entender um pouco melhor — afirma Gleich.
Pesquisas apontam que a maioria das resoluções de virada do ano duram o tempo de pular as sete ondas. Tárcio Soares, psicólogo e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), diz que 90% dessas promessas não são cumpridas, pois não há trabalho de pensar sobre elas. Ele afirma que fazer metas é saudável, contudo, elas são apenas caminhos para chegar onde se quer:
— Ter a intenção não significa que ela vai virar comportamento.
Para se criar bons objetivos para o ano que se aproxima, é fundamental esmiuçar ao máximo seus desejos. Por exemplo: não planeje apenas fazer exercício físico. Pense onde vai fazer, quantas vezes por semana e em qual horário. Trace também os possíveis obstáculos a essa meta.
— Muita gente tem como meta economizar. Mas isso é muito genérico. Precisa definir: vou guardar R$ 100 por mês, por exemplo. Pense também em quais são os obstáculos para isso e como superá-los: “Bom, estou pedindo muita comida de telentrega, porque chego em casa cansado do trabalho” — ensina Soares.
O neurologista Gomes também sugere que se anotem essas metas no papel e que, periodicamente, se revise essa lista.
— Coloque seu cérebro trabalhando a seu favor na organização e no planejamento futuro – indica.
Terceira dica: lembre de decisões dos anos anteriores
Se você chegou aos últimos dias de 2019 com a sensação de que não fez tudo aquilo que prometeu lá em 2018, respire fundo. A frustração faz parte do processo e pode ajudar a construir aquilo que se almeja verdadeiramente. Mas, para isso, é preciso não mergulhar em um sentimento de culpa. Não é se martirizando que você vai conseguir avançar. Também entenda onde você falhou, assuma os erros e se perdoe, sugere o professor da PUCRS Tárcio Soares.
Paulo Gleich provoca:
— Se você fica muito frustrado e isso se repete, cabe uma reflexão para entender por que você precisa repetir a experiência de frustração com frequência. Por que não consegue ir além dela?
“Estresse aumenta em até 80% nesta época”
As pessoas costumam comer e beber mais e descansar menos no final do ano. Deve-se levar isso em conta ao planejar esse período, defende a psicóloga Ana Maria Rossi.
Por que ficamos mais “sensíveis” nesta época do ano?
Temos uma pesquisa da International Stress Management Association no Brasil (Isma-BR) que mostra que, de 15 de novembro até o fim de dezembro, o nível de estresse da população em geral aumenta em até 80%. E são muitos os fatores para isso: grande sobrecarga de atividades, as pessoas estão fechando o ano e planejando o próximo, excesso de trabalho. Também há aumento nos gastos. Hoje em dia, as pessoas estão dando presentes de menor valor, mas há cobrança de dar algo. Outra questão é que há muitas festividades, e termina com a pessoa ingerindo mais gordura, mais álcool, gerando uma sobrecarga nutricional. Além disso, com mais eventos, as pessoas dormem menos. Tudo isso faz com que uma época que deveria ser de comemoração seja mais estressante. E temos que comemorar e conviver com pessoas de que a gente queria arrancar o pescoço, então acabamos engolindo muito sapo.
A senhora tem alguma dica para criar metas realistas?
Tu ouves muito “quero mais respeito, quero ser feliz”. Mas o que é isso? Para cada um significa uma coisa. Precisa ser bem específico e claro: o que eu preciso para ser feliz? E ser realista. Não adianta fazer planos de “ano que vem vou ter asas e voar”, literalmente. É necessário ser realista do que você quer e o prazo para isso. “Quero perder 10 quilos em um mês” não é realista. Você pode conseguir, mas vai chegar lá um caco.
E como torná-las realidade?
É preciso aprender e planejar. Monitorar frequentemente seus hábitos. Não se desiludir e usar as derrotas como aprendizagem para continuar. Pode-se ter um plano B. Planejar gratificações também funciona: “Se eu for na festa e não comer tudo o que vir pela frente, vou fazer tal coisa”. Monitoramento, balanços periódicos e gratificações são importantes.
E se eu não conseguir?
Faça um exame de consciência, uma avaliação. O que fiz e o que não fiz que não me deixou cumprir. Não fui realista? Não planejei? Segundo, avaliar qual foi o gatilho e pensar: o que me desmotivou? E terceiro: o que aprendi? Queria parar de fumar, mas fiquei andando com um grupo que fuma: o que aprendi com isso?