SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Armas brancas como a besta (espécie de arma medieval que dispara flechas) e o machado encontrados com os autores do massacre em uma escola de Suzano (SP) ocupam um vácuo no Estatuto do Desarmamento, segundo especialistas.
Esse tipo de objeto pode ser comprado por qualquer pessoa com facilidade na internet, sem empecilho legal.
Na manhã desta quarta (13), um homem e um adolescente mataram ao menos 8 pessoas e feriram outras 11 em um ataque a tiros na Escola Estadual Professor Raul Brasil, na região metropolitana de São Paulo.
Segundo a polícia, os atiradores levavam uma besta, um machado, quatro "jet loaders" (peças de plástico usadas para carregar armas de fogo mais rapidamente), uma arma de calibre 38, uma caixa que aparentava ser um explosivo e garrafas montadas como coquetéis molotov. Ao menos a arma de fogo e o machado foram utilizados -ainda não se sabe se a besta chegou a ser usada.
Armas como a besta podem disparar setas com velocidade de até 400 km/h, e são encontradas facilmente à venda na internet. Os valores vão de pouco mais de R$ 100 até R$ 3.000, para os modelos mais sofisticados. Machadinhas usadas por militares também são facilmente adquiridas em lojas virtuais.
"Esses tipos de armas, como arco e flecha, besta e balestra, não são regulados para comercialização pelo Estatuto [do Desarmamento]. Não tem nada que regule efetivamente esse tipo de arma", afirma Gustavo Neves Forte, criminalista e professor da Escola de Direito do Brasil.
O Estatuto do Desarmamento foi publicado em 2003, freando o crescimento de homicídios. Com a ascensão de Jair Bolsonaro (PSL), que já facilitou a posse de armas de fogo após assumir a Presidência, as regras estão sob ataque de sua base no Congresso.
O presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina, José Ricardo Bandeira, afirma que o estatuto regula apenas armas de fogo, munições e artefatos.
"Alguns estados podem ter legislação específica para este tipo de armamento. O Rio de Janeiro, por exemplo, proíbe portar facas com mais de 10 cm de lâmina."
Ele afirma, por outro lado, que os "jet loaders" são abrangidos pelo Estatuto do Desarmamento. "É um artefato específico para carregamento de arma de fogo, assim como o carregador de uma pistola."
Em 2016, um catador de materiais recicláveis foi morto no Bom Retiro (região central de São Paulo), com uma flechada. Um homem de 33 anos foi detido sob suspeita do crime.
Na ocasião, o deputado estadual Orlando Bolçone (PSB) propôs uma lei para regular o comércio de armas que disparam flechas --como arcos, bestas e balestras.
Pelo projeto, a compra só seria permitida para maiores de 18 anos, com apresentação de documento pessoal e comprovante de residência. A lei ainda tramita na Assembleia Legislativa.
"O projeto está em fase final para ser votado", afirmou o deputado. "Sempre procurei pensar na prevenção. Quem sabe se houvesse já uma legislação dessa os rapazes [que cometeram o crime] não tivessem tido acesso à arma."
Crimes com bestas são raros. No entanto, agressões com armas brancas matam milhares de pessoas no país todos os anos.
De acordo com dados do Datasus, em 2016, último ano disponível no banco de dados, houve 9.091 mortes por objetos cortantes ou perfurantes. No mesmo ano, foram 44.475 mortes por arma de fogo.