Abusada sexualmente pelo marido de sua avó, Lucía, uma garota de 11 anos da província de Tucumán havia obtido, a pedido da mãe, permissão para abortar dentro do que prevê a lei argentina – o procedimento pode ser realizado no país em casos de estupro, risco de morte da mãe e má-formação do feto.
A própria garota havia se mostrado consciente do que lhe acontecera e havia pedido, diante do juiz, que se tirasse de dentro dela "o que aquele velho colocou". O homem, de 65 anos, está preso.
Porém, no momento em que o procedimento seria realizado, na manhã desta quarta-feira (27), os médicos designados alegaram objeção de consciência. Quase toda a equipe desistiu e deixou o local, incluindo o anestesista.
O procedimento, então, ficou a cargo da médica Cecília Ousset. Segundo ela, "algo deveria ser feito, pois a menina apresentava sintomas de pré-eclâmpsia e não teria como chegar aos oito meses de gravidez".
Decidiu, então, praticar uma cesárea, por conta própria, sem informar a mãe da menina.
O caso comoveu a Argentina, poucos dias antes da abertura do novo ano parlamentar, na sexta-feira (1º), quando a Lei do Aborto, rejeitada no ano passado, deve voltar a ser debatida e votada.
O pedido formal para o aborto tinha sido apresentado quando Lucía estava na 19ª semana, no fim de janeiro. A Justiça, porém, demorou outras três semanas para deliberar sobre o tema.
Os médicos que não quiseram participar do procedimento disseram que essa demora havia dificultado a possibilidade de salvar a vida da mãe, pois a gravidez já estava avançada e seria uma operação de alto risco.
No meio da tarde, um grupo de feministas, com panos e bandeiras verdes, símbolo do aborto, começou a formar-se diante do hospital Eva Perón, para protestar contra a decisão unilateral dos médicos.
Embora a legislação que permite o aborto por estupro tenha sido regulamentada nacionalmente em 2012, durante a gestão de Cristina Kirchner, é comum casos como este nas províncias do interior, mais conservadoras, em que muitos médicos se negam a seguir o protocolo e a Justiça, por sua vez, anda de forma lenta.
Segundo as feministas, isso se faz de propósito, até que se chegue a um ponto da gravidez em que não seja mais possível realizar o procedimento.
Este já é o segundo caso neste ano. Em janeiro, na província de Jujuy, ocorreu o mesmo. Uma menina de 12 anos, com autorização judicial para realizar um aborto pedido pelos pais, teve o procedimento revertido para uma cesárea por conta da decisão dos próprios médicos. O bebê morreu alguns dias depois.
No começo da noite, o hospital de Tucumán soltou um comunicado dizendo que Lucía passava bem e que o bebê, com apenas 600 gramas, encontrava-se em uma incubadora, em estado grave.
A garota vivia com a avó há seis anos, desde que a mãe perdera a guarda da filha, após seu próprio parceiro ter abusado das duas irmãs maiores da menina.
O secretário de saúde de Tucumán, Gustavo Vigliocco, disse que a cesárea era possível porque a garota tinha mais de 50 kg. Já em Buenos Aires, grupos feministas se mobilizaram.
— Não se entende porque realizaram essa cesárea, isso é uma tortura e um abuso de direitos humanos da garota — disse Estafania Cioffi, da Rede de Profissionais da Saúde pelo Direito de Decidir.