Kertely da Silva Prado diz que se viu "em um grande buraco vazio" após supostamente ter o atendimento negado em um salão de beleza no bairro Jardim Lindoia, zona norte de Porto Alegre. O caso ocorreu em 9 de novembro, e o motivo teria sido a cor negra de sua pele. O relato da técnica em edificações já tem mais de 140 mil reações no Facebook, ultrapassou os 3 mil comentários e acabou gerando a retirada das páginas do estabelecimento comercial e de sua proprietária.
A jovem de 25 ano afirma que procurou o Salão Estilo A Estética na metade da última semana para marcar um procedimento estético. Teria sido atendida do lado de fora. Sua entrada só teria sido permitida quando pediu para ver a agenda do salão.
— Ao entrar, notei que a menina estava receosa, mas na hora não dei muita bola. Eu realmente estava suada, com roupa de academia e com um coque, mas consegui marcar o procedimento para sexta-feira (9), às 15h, após fazer um cadastro — conta Kertely.
Na data combinada, ela diz que chegou ao salão e tentou entrar junto com uma cliente, porém a porta se fechou. Kertely tocou por três vezes o interfone, mas não teria obtido resposta:
— Cheguei a ficar bem perto do interfone. Nesse momento, vi uma fresta pela porta de vidro e vi o salão cheio, com várias mulheres brancas sendo atendidas, enquanto todas me olhavam pela porta de vidro.
Enquanto aguardava, Kertely diz ter sido abordada por um segurança, que a questionou sobre o que ela fazia lá, se ela morava no bairro e se havia marcado algum procedimento.
— Quando abri a bolsa para chamar elas (as atendentes) no WhatsApp, cheguei à conclusão de que não iriam me receber e comecei a chorar — afirma.
Kertely partiu para casa e, cerca de uma hora depois, seu marido, Rafael Almeida da Rosa, 30 anos, estudante de Engenharia, foi à estética. Enquanto conversava com o segurança, Rafael foi abordado por uma pessoa do salão, que se desculpou pelo ocorrido, justificando que não atendiam pessoas desconhecidas sem pré-agendamento, devido a um assalto sofrido no mês de outubro.
Convencida pelo marido a levar o caso adiante, Kertely foi até a 9ª Delegacia de Polícia e registrou o caso como injúria discriminatória, quando a dignidade da pessoa é ofendida, utilizando elementos de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou com deficiência (artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal). De acordo com a Polícia Civil, a ocorrência será encaminhada para o setor responsável, para que as partes sejam ouvidas.
— Recebi uma ligação delas por volta das 19h com pedido de desculpas e falando sobre o assalto que sofreram. Mas elas me viram chorando, tiveram a oportunidade de desfazer o mal-entendido, mas não o fizeram — lamenta Kertely.
Dona de estética diz que recebeu ameaças após divulgação do episódio
Proprietária do Estilo A Estética, Aline Ramos dos Santos Reck, 33 anos, diz que precisou tirar do ar suas páginas pessoais e do salão nas redes sociais, além de manter o telefone desligado por um dia.
— As pessoas ligavam perguntando se era lá o salão racista, ou o local que não atendia gays. Recebemos xingamentos, ameaças de apedrejamento, de colocarem fogo no salão — afirma.
Conforme Aline, após o assalto ao estabelecimento em 11 de outubro, quando 13 mulheres foram trancadas no banheiro, o local passou a atender somente clientes ou pessoas indicadas por elas. Quando Kertely chegou, teria havido um estranhamento pelos presentes no estabelecimento, pois ela não era cliente nem conhecida.
— Conduzimos o atendimento da mesma forma que com outras pessoas e marcamos o procedimento para terça-feira (12), apesar de ela o desejar na sexta-feira (9). Quando ela chegou na sexta, pedi para a minha funcionária avisar ela que o atendimento estava marcado para outra data e fui auxiliar clientes, que já estavam apavoradas com a presença de uma pessoa desconhecida. Muitas já estão traumatizadas, porque já tinham sido assaltadas outras vezes — declara.
Ao ver a jovem sair do local, Aline acreditava que tudo estava resolvido, até o momento que foi alertada por uma amiga a respeito da publicação de Kertely no Facebook. Segundo ela, nos comentários havia ameaças, injúrias e palavras de ódio contra ela e o salão. Segundo Aline, a cautela com a entrada de pessoas desconhecidas foi somente uma forma de prevenção à violência:
— Eu não tenho preconceito, não foi essa a educação que tive. Também entendo o lado da Kertely e penso que se fosse comigo reagiria da mesma forma. Na mesma semana em que ela esteve lá, dois estabelecimentos foram assaltados.
Aline, que trabalha há 14 anos em salões de beleza e tem negócio próprio há três, registrou ocorrência contra as pessoas que fizeram comentários de ódio e com conteúdo ameaçador nas redes sociais. Os trotes, segundo ela, diminuíram nos últimos dias e deram lugar a mensagens de apoio. Ela registrou uma ocorrência de calúnia e difamação por parte de Kertely:
— Queria, sim, me desculpar pelo mal-entendido e agradecer por ela não incentivar a violência em nenhum momento. Mas isso também poderia ser mal interpretado. Nesse momento, está tudo muito difícil.