O sinal verde concedido pelo Vaticano à proposta de canonização de Sepé Tiarajú é apenas o primeiro passo de um processo que costuma ser longo e que nem sempre termina no reconhecimento da santidade.
Por enquanto, o que existe é a licença concedida pela Congregação das Causas dos Santos para a abertura do processo, o que eleva Sepé à condição de "Servo de Deus" – alguém para quem o católico já pode dirigir preces e pedir intervenção.
— Servo de Deus é um estágio bem inicial, mas necessário, de um processo que pode ser longo, ou não. Significa que a porta se abriu. Mas não vai ser rápido. Há muito trabalho e muito papel pela frente — afirma o padre Alex Kloppenburg, administrador da diocese de Bagé.
Kloppenburg faz parte do grupo que, ao longo dos últimos dois ou três anos, mobilizou-se para fazer o pedido, montando um dossiê com fundamentação teológica, biografia e assinaturas de apoio. A solicitação, em geral, precisar ser encaminhada por um bispo – da diocese onde o candidato a santo nasceu ou morreu. No caso de Sepé Tiarajú, esse papel coube ao bispo de Bagé, Gílio Felício (que deixou o cargo recentemente). Sepé morreu em São Gabriel, município abrangido pelo bispado bajeense.
O trabalho pesado começa agora. O franciscano Cleonir Paulo Dalbosco, que assume em dezembro a diocese, terá de nomear uma comissão para levar a causa adiante, com um postulador – uma espécie de advogado da canonização – à frente. A tarefa inicial dessa comissão será reunir um conjunto mais aprofundado de documentos .
A partir desse material, um Tribunal Eclesiástico vai avaliar, na Congregação das Causas dos Santos, se o indígena tem as chamadas 11 virtudes heroicas (fé, esperança, caridade, prudência, justiça, fortaleza, temperança, pobreza, castidade, obediência e humildade). Um promotor, conhecido como "advogado do diabo", acompanha o processo, investigando se há aspectos negativos na trajetória do pretendente.
Se Sepé passar no teste, o papa assinará um decreto reconhecendo que ele foi heroico na prática das 11 virtudes, elevando-o para a galeria dos veneráveis. Em condições normais, faltaria o reconhecimento de um milagre para a beatificação, mas Sepé deve ser dispensado dessa exigência, porque deve ser considerado um mártir – alguém que morreu em defesa da fé.
A condição de beato é a última antes da de santo. Muitos param nela ou levam um longo tempo para ascender. Para passar de um estágio para o outro, será necessário que o Vaticano reconheça que Sepé praticou um milagre, que deve ter ocorrido após a beatificação. A documentação sobre esse milagre precisa passar por uma comissão de teólogos e peritos e receber a assinatura do papa. Cumpridas todas essas etapas, o nome de Sepé seria inscrito no rol dos santos, e ele poderia ser venerado em qualquer igreja do mundo.
Embora reconheça as dificuldades, Alex Kloppenburg acredita que a causa tem um aliado importante: o próprio papa Francisco. Por ser argentino e jesuíta, ele teria condições de compreender melhor o significado de Sepé.
— Como jesuíta, o papa Francisco conhece bem a história das Missões. Ele não é um europeu, é um tomador de mate, como nós. Acredito que conheça a importância de Sepé no Rio Grande do Sul.