Marques Leonam já era um repórter experiente e premiado quando, em 1981, aos 39 anos de idade, largou as redações. Foi num daqueles rompantes, naqueles dias em que o espaço para o texto está curto, a paciência também, as promessas dos chefes demoram a se cumprir. Jogou tudo para o lado e foi buscar novos rumos. Saiu da reportagem, mas a reportagem não o deixou. Foi ser domador de "focas" (como se chamam os repórteres iniciantes) na Famecos, a Escola de Comunicação, Artes e Design da PUCRS. E lá ajudou a forjar 4 mil jornalistas gaúchos.
Eis que agora alguém resolveu biografar esse verdadeiro encantador de repórteres, o mestre dos mestres das academias de jornalismo no Estado. Coube a duas ex-alunas, Ana Paula Acauan e Magda Achutti, relatar as lições de Marques Leonam na obra O Encantador de Pessoas, prefaciada com sensibilidade por outra ex-aluna, a escritora Eliane Brum. São 157 páginas. Poderiam ser o dobro, tal o manancial de "causos" e ensinamentos que emanam da vida andarenga e venturosa do biografado (para usar duas palavras que agradariam a esse virtuose da escrita).
Leonam foi repórter especial da Folha da Tarde quando esta era o mais importante veículo da extinta companhia jornalística Caldas Junior, por sua vez a maior empresa de jornalismo gaúcha na sua época. Soa piegas dizer "pobre de quem não foi aluno do Leonam", mas a pieguice tem seus momentos precisos – e esse é um deles. No serpentário que é o acirrado meio do jornalismo, Leonam é uma unanimidade positiva. Dono de um texto sensível, com palavras e expressões lapidadas com esmero de ourives, o mestre de gerações de repórteres é o oposto do gaúcho "animalesco e bagual" que poderia ter sido, tendo vindo de onde veio – uma grande estância familiar em Alegrete, criado em meio a peões e marcações de gado.
Acontece que, mesmo fascinado pelas lides do campo, Leonam, filho dos proprietários da estância, sempre viveu cercado de livros e revistas. Isso inclui Cruzeiro, Manchete, Seleções, gibis, clássicos da literatura gaúcha e portenha, o melhor que as livrarias tinham a oferecer. Daí a enveredar para o jornalismo foi uma senda natural (taí outra palavra em gauchês... típico do Leonam).
E começou em grande estilo. Antes da Folha, ainda na faculdade, Leonam foi ao Rio de Janeiro, sem lenço e com muito peito, pedir emprego no Jornal do Brasil – nada menos do que o mais respeitado diário brasileiro nos anos 1970. E conseguiu. Estagiou lá. Voltou se sentindo repórter. Em solo gaúcho, fez reportagens premiadas sobre vida de mineiro ("No intestino da terra"), sobre acidentes de trabalho, sobre mendigos. Batalhou contra o duplo emprego no jornalismo (na redação e no governo, por exemplo), quando essa condição ética duvidosa era regra na profissão.
Repórter com R maiúsculo ele foi e assim continua até hoje. Mesmo afastado das barulhentas máquinas de escrever e do fumacento ambiente das redações onde atuou, Leonam almoça e janta jornalismo, com destaque para o filé da profissão, a reportagem.
Não foram poucos os medalhões da imprensa brasileira que passaram por suas mãos e pediram conselhos em momentos de desespero, ante aquele assunto que parece não ter saída, o papel que teima em ficar em branco, a proposta de emprego que pode ser uma roubada. E o conselho vem, preciso, em meio a uma rodada de mate.
O livro serve também de embasamento para quem quer evitar armadilhas da profissão. Fiquemos aqui com dois exemplos, das muitas "Leis Leonam":
1) Repórter pode pecar por tudo, menos por ingenuidade.
2) Quando o repórter é mais importante que a notícia, um dos dois não é verdadeiro.
Leonam hoje está aposentado, por opção, já que convites para lecionar (e paraninfar) abundam. Nas 300 horas de entrevistas que concedeu às autoras do livro, ele manteve a modéstia que lhe é peculiar: "Não fui professor, eu estive professor". Como ex-aluno, concordo com a primeira parte da frase. E me permito usar da primeira pessoa (outro pecado mortal para o biografado) para um comentário: não foste professor, Leonam. Foste O Professor. Com maiúsculas.
O Encantador de Pessoas – Lições de Jornalismo do Mestre Marques Leonam
De Ana Paula Acauan e Magda Achutti.
Biografia, 160 páginas. Para obter o livro, escreva para mestremarquesleonam@gmail.com ou acesse facebook.com/mestremarquesleonam (nesta página, há outros conteúdos sobre a trajetória de Leonam e os eventos de lançamento do livro).