Por Carlos Alberto Gianotti
Professor de Física e editor
As chamadas ciências da saúde lograram, não sem auxílio de avançadas tecnologias de informação, prolongar a existência humana, sem, todavia, fazer com que esses anos a mais viessem desembaraçados dos mal-estares de sempre, físicos ou psíquicos, intrínsecos à velhice: a maior longevidade se fez acompanhar praticamente de seus problemas de antanho.
Com o prolongamento da vida, hoje se pode ter deambulando pela casa um bisavô, situação praticamente inexistente há 50 anos. Estenderam-se os anos de existência dos humanos e com tal extensão surge o problema de o que fazer com esses velhos aposentados, isto é, que nada irão produzir, logo, sem ter com que se ocupar. Antes, com o trabalho, cultivavam com intensidade a libido do poder, as lutas (no fim inúteis) por ele. Sem isso, velhos jubilados ficam ao deus-dará. Os politicamente corretos, sempre alertas, cuidaram de entrar em cena para, como é moderno que se o diga, gestar programas de inclusão dos longevos, bem entendido como atividades ditas socioinclusivas de lazer, desportos e voluntariado, assim como mediante manobras de cuidado. Entre estas, a acessibilidade mostra-se essencial, com rampas e corrimãos indispensáveis. Com tais possibilidades de inclusão, os velhos restarão em boa parte do dia ocupados, logo, sem causar maiores preocupações ou transtornos aos familiares ou aborrecimentos a seus psicoterapeutas com angustiados telefonemas.
Mas procurou-se também, paralelamente, edulcorar a velhice, mediante assertivas ou imputações algo hipócritas, como: "melhor idade", "terceira idade" e "a beleza da velhice".
Detenhamo-nos na beleza da velhice. Convenhamos que falar nela é dureza. Só se por essa beleza se entender a sabedoria de vida armazenada no correr dos anos, a experiência de vida. Essa experiência vital pode, sim, ter uma geometria interessante, talvez bela. De resto, onde encontrar beleza na velhice? Na sua destesão? Na hiperplasia prostática? Na incontinência urinária das fraldas descartáveis? Na míngua capilar? Na claudicância motora? Nas manchas escuras nas mãos e nas irrupções cutâneas? Nos ressecamentos teciduais? No tremor das mãos? No cochilo boquiaberto na poltrona em pleno dia? No perímetro abdominal de um metro e tanto?
Como tudo no mundo contemporâneo ocidental é dirigido aos jovens, quer dizer, o mercado está voltado à juventude, os idosos efetivamente ficam alijados, permanecem discriminados por sua condição, conquanto se afirme o contrário. Basta, para constatar tal fundamento, examinar, mesmo superficialmente, as propagandas veiculadas pelas mídias, especialmente pela impressa e pela TV. Velhos só aparecem como agentes em mensagem publicitária se ela visa a propagandear casas geriátricas, fraldas descartáveis, aparelhos auditivos, planos precaucionais funerários, fixadores de dentadura, ou fazendo papel de idiota entre jovens em ação.
"Por favor, o senhor aguarda um instante até que eu possa lhe atender? Sente ali naquela cadeirinha enquanto espera", disse, com afetada bonomia, a jovial gerente do banco ao cliente envelhecido. Mais tarde, no final do atendimento, ao velho disse: "Agora, coloque aqui a sua assinaturinha". Ora, os diminutivos – no caso, cadeirinha e assinaturinha – são típicos do falar com o velho, que, numa pedestre psicologia humana, é considerado alguém retornando à condição de criancinha que é com quem se fala dessa forma carinhosamente bonitinha. É a discriminação do status, notada por meio da linguagem. Para um ancião da turma do politicamente correto, esse tratamento verbal poderia caracterizar assédio moral (sim, senhor!).
Mas e no âmbito familiar – filhos, netos, quiçá bisnetos – como ficam as coisas no estrelar dos ovos? No discurso também há a retórica do politicamente correto, a fala aveludada com doses de hipocrisia sobre cuidados dispensados ao ancionato; contudo, é verdade, se devam considerar os impedimentos dos familiares por força dos incontáveis quefazeres da exigente vida moderna pelos quais se veem envolvidos essas segunda e terceira gerações. Chega a um ponto em que o velho passa a ser um estorvo na vida caseira e social. Para mitigar os apoucados cuidados que a maioria das famílias consegue dedicar aos seus velhos e aplainar o próprio sentimento de culpa dele originado, há pequenos procedimentos imaginavelmente compensatórios. Por exemplo, certamente já terá o leitor presenciado, num almoço dominical em restaurante lotado, a chegada duma família em que se vê o patriarca adentrando arrastando-se apoiado no braço do filho cinquentão, ou do neto, ou num andador. Atrás, a matriarca com bengala ou também apoiada em algum neto. Acomodam-se numa mesa comprida, os dois longevos, vis-à-vis, numa ponta. Enquanto os comensais avançam vorazes nos pratos e conversam ruidosamente ou discutem com ademanes sobre velhas pendengas familiares irresolutas, os anciãos permanecem sem trocar palavra (porque já tudo se disseram), abandonados em suas mastigações, ruminando silentes pensamentos sombrios. Na mesa, o sentimento comum é a vontade de ir embora dali.