A bissexualidade parece bem mais evidente nas novas gerações. A senhora tem essa mesma impressão?
Acho que sim. Para o homem, é mais difícil mostrar isso do que para a mulher. No ideal masculino, instituído há 5 mil anos na nossa cultura patriarcal, o homem não pôde nunca se interessar por outro homem. É aquele ideal masculino de força, sucesso, poder, coragem, ousadia, nunca broxar, nunca falhar, ganhar dinheiro, transar com qualquer mulher que queira, nunca negar fogo. Essa mentalidade patriarcal associou masculinidade a heterossexualidade. Então, para o homem, é muito difícil romper, mas a gente está caminhando. As mulheres, eu acho que a bissexualidade está mais fácil para elas. Elas sempre puderam se tocar, dar beijinhos, se abraçar. Os homens tinham que dar tapa nas costas, no máximo. Acho que muitas mulheres podem ter namorado, podem ter casado e, eventualmente, transam com outra mulher, isso eu tenho visto muito. Adolescente também: de repente ele transa com um amigo ou está com namorada. São sinais. Quanto mais os homens perdem o machismo, quanto mais se livram do mito da masculinidade, fica mais fácil eles poderem ver melhor o que desejam de verdade.
Daqui para a frente, a bissexualidade deve predominar, então?
Acredito que sim. A fronteira entre o masculino e o feminino está se dissolvendo, não tem mais aquela coisa marcada, “isso só interessa a homem”, “isso só interessa a mulher”. É bom porque é uma pré-condição para uma sociedade de parceria, mas também facilita que você escolha a pessoa que tem a ver com você independentemente do gênero.
Essa fronteira pode estar se dissolvendo, mas é uma dissolução lenta.
Nada é muito rápido na mudança de mentalidade. Se bem que se você pegar 5 mil anos e resolver comparar com os últimos 50, vai ver que a mudança é muito grande – em relação a todo o tempo de história. A mudança é lenta e gradual e não muda todo mundo ao mesmo tempo, isso é muito importante. No mesmo grupo social, você observa pessoas que já estão pensando de forma muito mais aberta e outras que ainda estão agarradas nos modelos tradicionais, com medo. Isso é muito comum.
Fico pensando no meu tempo de colégio, 20 e poucos anos atrás... Não se via menina com menina e menino com menino nas festas ou no recreio, mas o desejo latente certamente existia.
Os desejos todos são tão reprimidos desde que a gente nasce que, às vezes, você não tem nem consciência disso. Na minha infância e adolescência, isso também não era comum. Mas, no momento em que vão se afrouxando as censuras, o desejo pode surgir, manifestar-se. Nas adolescentes, é uma coisa mais comum, é mais aceito socialmente menina com menina, mas mesmo assim as mães se chocam com a bissexualidade, com transar com pessoas do mesmo gênero. Muitas vezes, os pais ficam perplexos, não se conformam, acham que é fase, ficam arrasados.
O amor romântico está saindo de cena. Vai entrar outro tipo de amor, provavelmente sem idealização, como tem agora, e você vai poder amar várias pessoas ao mesmo tempo e poder ser amado.
REGINA NAVARRO LINS
Psicanalista e escritora
O que a senhora acha que autoriza os jovens de hoje a terem mais naturalidade para se assumirem bissexuais?
A diminuição da censura. Isso vem aos pouquinhos. Ainda não é simples. Muita gente esconde, não conta para ninguém. Assim como não é simples ter outras formas de práticas sexuais. O maior conflito vivido pelos casais hoje, o maior desafio, é uma das partes propor a abertura da relação, botando mais um (parceiro) ou cada um podendo transar livremente. Tem um casal que atendo em que ele quer muito sexo a três, e ela não gosta. Ele quer ficar com ela a vida toda, eles têm dois filhinhos, mas ele fala: “Como é que eu vou ficar a vida toda só transando com uma mulher?”. Então, para não dar chance de ela ficar transando com outro nas costas dele, ele acha que o sexo a três é o ideal. A outra parte, que acredita no amor romântico, acha que, se fosse amada, o parceiro não iria propor isso. A mesma coisa com a bissexualidade: a diminuição da censura, a aceitação, toda a ideia de que é importante você aceitar as pessoas como elas são, aceitar a diversidade, as diferenças, isso é uma coisa que vem sendo muito falada de um tempo para cá. Temos ondas conservadoras, mas também tem uma onda que vai para a frente.
Como você acha que será o amor do futuro?
O amor romântico está saindo de cena. Vai entrar outro tipo de amor, provavelmente sem idealização, como tem agora, e você vai poder amar várias pessoas ao mesmo tempo e poder ser amado. As pessoas muito mal no casamento, como é hoje, esse modelo é muito ruim. Acho que o casamento vai mudar, as relações amorosas vão ser mais livres, as pessoas vão estar com o outro pelo prazer da companhia, muito mais do que por uma necessidade de ter alguém ao lado. Muitas coisas tendem a mudar, mas de que as relações serão mais livres eu não tenho dúvida.