Não foi uma estrela na nuca, nem um ideograma japonês no pulso. As novas tatuagens da relações internacionais Kátia Zappe, 35 anos, significam renascimento. Para traduzir esse sentimento, ela eternizou na pele as assinaturas dos médicos que a acompanharam em uma longa jornada para curar um câncer agressivo, descoberto no ano passado, e cuidar das complicações do tratamento.
Foi no dia em que completou 34 anos, em 18 de fevereiro de 2016, que ela recebeu a confirmação: a lesão que insistia em aparecer no colo do útero a cada consulta à ginecologista era um tumor. E já media três centímetros e meio. O resultado da biópsia denunciou que a mancha se tratava de um carcinoma epidermoide queratinizante invasor (câncer de colo uterino invasor). Foi então que Kátia começou uma pesquisa na internet para entender o que tinha.
— Foi um desespero, pois sempre fui muito regrada e responsável com minha saúde. Pensei: mas logo eu, que não falhei nenhuma consulta? — relembra.
Preocupada com a reação da mãe, em um primeiro momento ela decidiu dividir o resultado somente com colegas do trabalho e amigos próximos. Na companhia de uma amiga, foi a um médico no mesmo dia em que leu o exame para buscar mais informações sobre o tumor. Até ali, as opções apresentadas pelo especialista foram três: quimioterapia, radioterapia ou cirurgia para retirada do útero – todas com potencial para acabar com o sonho de Kátia de ser mãe. Contando sempre com o apoio dos amigos, ela se reuniu na casa de um deles para telefonar a uma médica. Ouviu alguns nomes de oncologistas que poderiam auxiliá-la. Kátia escolheu André Fay, oncologista do Hospital do Câncer do Mãe de Deus e chefe do Serviço de Oncologia do Hospital São Lucas da PUCRS.
Após discutirem o caso, foi decidido que Kátia faria a cirurgia para retirada do útero. O que não se esperava é que a ressonância abdominal acusasse um linfonodo (nódulos linfáticos). Um outro exame mostrou mais um linfonodo, o que tornaria a cirurgia muito arriscada. Diante do novo prognóstico, Kátia foi orientada a fazer o tratamento com quimioterapia e radioterapia.
No dia 31 de março, ela começou os procedimentos, que, juntos somaram 29 sessões de radio (externa e intravaginal) e mais seis ciclos de quimio. Não demorou muito para ela receber a boa notícia: antes mesmo do término do tratamento, o diagnóstico já era de que estava curada.
— No início, estava tranquilo, fora os efeitos colaterais. Mas, no final da radio, comecei a ter muita dor, nem consegui ir lá para terminar, faltavam duas sessões. Quando comecei o tratamento, assinei um termo dizendo que estava ciente que a radio poderia atingir ou a bexiga ou o intestino, mas jamais imaginei que viria algo além.
Durante uma viagem a trabalho, Kátia começou a sentir os primeiros sintomas de que algo não ia bem. Por três dias, sofreu com uma distensão abdominal, que acreditava ser uma gastrite. Com acompanhamento constante do doutor Fay, ela foi parar na emergência hospitalar na noite de 29 de agosto, após um dia de cólicas incessantes. Ao longo de setembro, ela teve a situação monitorada até que, no fim do mês, uma ressonância apontou a resposta para as dores: uma infecção intestinal, complicação dos tratamentos pelos quais passou.
— A aplicação de quimioterapia e radioterapia tem complicações. São desenvolvidos processos inflamatórios na bexiga e intestino. Ela tinha múltiplas infecções pélvicas e perfurações intestinais. Foi um tratamento prolongado, que levou quase um ano para controlar a inflamação e demandou cirurgias, drenagens, antibióticos e internações. Foi bastante penoso — afirma Márcio Boff, chefe do Serviço de Cirurgia Oncológica do Hospital do Câncer Mãe de Deus, que passou a acompanhar Kátia a partir desse novo diagnóstico.
Diante do quadro, Kátia foi submetida a uma cirurgia no dia 6 de outubro do ano passado. Quase às escuras, os médicos não anteciparam o que fariam, pois desconheciam a extensão do problema. Durante o procedimento, como a área atingida era maior do que o esperado, foi necessária a retirada de 40 centímetros dos intestinos grosso e delgado, além de uma colostomia e uma ileostomia, que consiste em um desvio do intestino para a parede abdominal.
Sedada por três dias no centro de terapia intensiva, Kátia só percebeu a bolsa quando voltou para o quarto:
— Foi um susto maior do que tudo o que tinha passado.
Usada para repousar o intestino, o procedimento desvia o líquido intestinal para a bolsa, deixando a parte final do intestino grosso sem uso. Passados cerca de 11 meses de uma vida com muitas limitações _ Kátia só usava roupas largas que não evidenciassem a bolsa, saía de casa só na certeza de que o destino teria um banheiro com o mínimo de higiene e carregava um kit emergencial, caso houvesse vazamento _, finalmente ela iniciou um tratamento para fazer a reversão do processo.
— Em 28 de agosto deste ano, realizei a feliz e abençoada cirurgia.
Trabalhoso e arriscado, sob o ponto de vista de infecções, o procedimento foi bem-sucedido. Após oito dias de internação, Kátia foi liberada para voltar para casa e ainda passou por maus bocados no início, quando o intestino ainda não estava a pleno funcionamento.
Grata a toda a dedicação da equipe médica e hospitalar, Kátia queria retribuir. A ideia efetiva surgiu em uma consulta com o Boff:
— Ele explicou que eu precisaria fazer acompanhamento para o resto da vida. Como já conhece meu caso, sugeriu que fosse com ele. Daí caiu a ficha da tatuagem.
Sob a desculpa de criar um presente especial, ela conseguiu a assinatura de Fay por WhatsApp. Já a de Boff foi mais difícil: Kátia precisou contar com a ajuda de uma amiga que conhecia a esposa do médico.
Depois de uma hora e meia na tatuadora, Kátia transferiu para a pele a gratidão pela dedicação dos profissionais e as datas dos términos dos procedimentos:
— Não tem dinheiro que pague o bem que eles fazem aos pacientes.
O presente surpreendeu um dos homenageados.
— Fiquei extremamente assustado no primeiro momento. Isso mostra o grau de satisfação em relação ao tratamento e ao cuidado com ela, que não foi meramente técnico, mas pessoal em todos os sentidos: físico, emocional e social — diz Boff.