A inauguração da fase mais crítica da vida do Pampas Safari, simbólico parque de animais nativos e exóticos localizado na RS-020, em Gravataí, foi documentada pelos órgãos de fiscalização em 2013. Em março daquele o ano, o próprio veterinário que era o responsável técnico do Pampas fez denúncia destacando mortalidade por tuberculose bovina, predação e até desnutrição supostamente causada pela superpopulação do local.
Servidores do Ibama e da Secretaria Estadual da Agricultura (Seapi) fizeram vistoria em 21 de março de 2013. Encontraram um corpo de cervo em decomposição, vísceras e ossadas despejadas em vala a céu aberto, o que contribui para a proliferação de enfermidades como a tuberculose bovina, que está no centro da polêmica no parque.
Animais com sinais clínicos desta doença, como emagrecimento, prostração e dificuldade de respiração, foram registrados em recintos sujos por fezes de ratos. Imagens foram capturadas e anexadas ao histórico do Pampas junto às autoridades, documento obtido com exclusividade por Zero Hora.
Os fiscais descobriram pelo menos um cervo morto largado em uma vala comprida e de profundidade. O corpo do animal, já em processo de decomposição, estava crivado de moscas. Em outros pontos do campo, havia carcaças e ossos espalhados.
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O sucessivo abandono de animais sem vida pelo parque pode ocasionar contaminação do solo, da água, de outros bichos e de humanos, dizem Ibama e Seapi. Quando espécimes morrem em maior escala, o adequado seria enviar a um abatedouro competente para dar a correta destinação aos despojos. Na chamada "graxaria", os restos viram subprodutos como farinha para ração animal, após tratamento térmico e de pressão que elimina os microrganismos.
A fiscalização ainda identificou cervos em situação de isolamento em galpões, possivelmente uma providência para afastar o doente do restante do rebanho. Eles foram fotografados com sintomas que seriam compatíveis com a tuberculose bovina, como debilidade física. Alguns tinham lesões, o que teria sido ocasionado por disputas de território entre as diferentes espécies de cervos que vivem no local: sambar, nobre e dama. Uma decorrência da superlotação – hoje, são cerca de 400 exemplares. Fezes de roedores nos depósitos de alimentos também foram encontradas no Pampas.
Denúncia
A denúncia do antigo responsável técnico do parque reunia fotografias de animais mortos com feridas, bicheiras e esqualidez. Ele anexou ao documento entregue às autoridades em 2013 imagens de três cadáveres – um cervo, uma lhama e uma anta – com os respectivos órgãos necropsiados, com resultado positivo para tuberculose bovina.
A denúncia de 2013, quando o Pampas continha mais de dois mil animais, somava 16 itens problemáticos. Após a vistoria, a Seapi emitiu o auto de interdição. O documento contém a assinatura da então responsável técnica do parque e a justificativa para o fechamento temporário: "Animais suspeitos de estarem doentes ou serem portadores de zoonose (tuberculose)".
A etapa mais aguda da crise, iniciada em 2013 com a denúncia, culminou na atual situação de impasse. O empreendimento chegou a reabrir em julho de 2013, tendo de cumprir um plano de contenção da tuberculose bovina. Problemas continuaram e se acumularam até que, em junho de 2016, as atividades foram encerradas por cassação da licença ambiental (confira abaixo).
Não é mais possível a visitação e a comercialização de animais. Os exemplares que permanecem no Pampas e a destinação deles abriu a polêmica entre os que defendem o abate e a preservação.
O "plano final de encerramento do empreendimento Pampas Safari" foi entregue pelos proprietários ao Ibama e ao Ministério Público Federal em 28 de abril de 2017.
"É com grande pesar que requer o abate dos cervídeos e capivaras, sendo o abate dos demais animais do plantel mediante avaliação conjunta. (...) Com a finalidade de encerrar imediatamente as atividades do empreendimento. (...) A proprietária prefere que sejam abatidos apenas os cervídeos e as capivaras, devendo ser avaliado em conjunto (proprietária e órgãos competentes) o abate dos demais animais, vez que poderão ser comercializados", diz o documento de 13 páginas.
O Ibama concordou com o sacrifício dos cervos, mas vetou que o mesmo ocorresse com as capivaras, por se tratar de animal nativo. Depois de comoção pública, apenas 20 cervos foram sacrificados em agosto de 2017. Logo depois, a Justiça emitiu uma liminar determinando a paralisação do procedimento, atendendo à ação movida pela deputada estadual Regina Becker (Rede). Ela alega que animais saudáveis podem estar sendo vítimas de abates.A parlamentar informa que uma audiência de conciliação foi marcada para o dia 17 de outubro, na Justiça de Porto Alegre.
– A decisão vai exigir consenso para que os cervos possam ter a chance de sobreviver e não apenas atender a um protocolo de animais exóticos que os leve a morte – diz Regina.