O sonho da maternidade de Luciane Carvalho está sendo finalmente realizado _ acrescido de um susto e multiplicado por quatro. Solteira, a administradora de empresas de 37 anos, moradora de Alvorada, resolveu encarar uma produção independente e se submeteu a uma inseminação artificial (com esperma de doador desconhecido obtido a partir de um banco de sêmen) no início deste ano. Além da óbvia alegria por atestar o sucesso do procedimento, os primeiros exames provocaram também um sobressalto: Luciane está grávida de quadrigêmeos.
Agora na 29ª semana de gestação, internada para repouso absoluto no Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre, Luciane torce para que Antonella, Valentina, Sofia e Nicolas consigam chegar à 34ª semana e digere uma dúvida: como acomodar quatro crianças em um espaço, uma rotina e um orçamento que previam apenas uma?
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Enquanto coordena, por telefone, uma obra para ampliação de sua casa – estão sendo construídos um quarto e um banheiro extras –, a mãe vem divulgando sua história no blog Quatro Vidas na Minha Vida (4vidasnaminhavida.wixsite.com/quadrigemeos) e em perfis nas redes sociais em busca de colaborações. Já conseguiu dois carrinhos de gêmeos, quatro bebês-confortos, 8,5 mil unidades de fraldas (suficientes para quase um ano) e uma soma em dinheiro. Uma vaquinha online tem o objetivo de arrecadar R$ 40 mil para cobrir os gastos básicos dos 12 meses iniciais, que incluem, além das fraldas, lenços umedecidos, pomadas para assaduras e latas de leite.
– Eu sempre quis muito ter filho, sempre me imaginei com filho. Sempre tive um sentimento de muito amor dentro de mim e vontade de botar isso para fora. Mas, no meu salário, caberia um nenê. Apertando, dois. Nem no meu carro cabem quatro – conta a gestante, proprietária de um Ford Ka.
Depois de relacionamentos que não deram certo, Luciane começou a cogitar a maternidade mesmo sem a presença de um companheiro. Considerou também a adoção, mas a vontade de passar pela experiência da gestação a levou a optar antes pela reprodução assistida. A administradora ainda pretendia aguardar alguns anos, mas o adoecimento do pai, o aposentado João Luiz Carvalho, 68 anos, em setembro passado, foi determinante para uma antecipação dos planos.
– O que você está esperando? – questionou uma tia.
Luciane teve o sêmen do doador introduzido em seu útero após receber uma medicação para estimulação da ovulação. Nessas condições, explica o ginecologista e obstetra Eduardo Pandolfi Passos, responsável pelo procedimento, existe o dobro de chance de ocorrer uma gestação de múltiplos em comparação com o método natural de concepção. Por inseminação artificial (caso de Luciane) ou fertilização in vitro (a fertilização se dá fora do útero, em laboratório, e depois o embrião é introduzido na paciente), a chance de gravidez de gêmeos é de 5% a 6%; de trigêmeos, até 3%; quanto a quadrigêmeos, a estimativa é de que a ocorrência seja inferior a 2%. Segundo Passos, o objetivo nunca é gerar mais de dois bebês. Na fertilização in vitro, sabe-se exatamente quantos embriões serão transferidos, enquanto na inseminação artificial não há um controle tão preciso, uma vez que a fecundação se dá no corpo da mulher.
– O organismo dela respondeu de uma forma maior à estimulação da ovulação – explica o médico, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Confirmada a gravidez, Luciane se submeteu à primeira ecografia. Ansiosa para saber se estava tudo bem com o filho, recebeu a notícia de que eram três. O quarto bebê apareceria só no segundo exame. Em choque, a administradora se isolou por dois dias. Não quis falar com ninguém, quase não dormiu.
– Senti pavor. Me assustei muito. Minha cabeça não parava. É uma produção independente, sempre fui responsável, e agora estou colocando quatro pessoas no mundo. Fiquei pensando em como dar conta – recorda ela, usando uma gargantilha com pingentes dourados representando três meninas e um menino. – Nunca pensei "por que comigo?". Tenho muita fé, Deus é que sabe.
Em 19 de junho, com quase 23 semanas de gestação – e a barriga já maior do que a de uma grávida de nove meses com um bebê só –, Luciane saiu de uma consulta com a ginecologista e obstetra Karla Simon Brouwers direto para o hospital. Passou por uma cerclagem de resgate, cirurgia de fechamento do colo do útero, para que pudesse sustentar a gestação por mais tempo. Desde então, a gestante permanece deitada. O ideal é que a gravidez avance até as 34 semanas, mas 32 já são consideradas um ótimo resultado para quadrigêmeos, segundo a médica. Nenês e mamãe passam muito bem.
– A Luciane tem uma força incrível, de cabeça e de físico. É uma pessoa muito tranquila, isso ajuda muito. Ela não se desespera, estuda muito, lê muito – diz Karla.
Após a cesárea, os irmãos, prematuros, serão transferidos para a UTI neonatal. Luciane espera poder amamentá-los, mas os bebês provavelmente precisarão de um complemento. Ela já consegue se imaginar anos à frente: prevê a casa cheia de amigos dos filhos, depois os namorados e as namoradas.
– Sou positiva. Não fico pensando nas dificuldades. O que eu conseguir de solução agora, ótimo. O que eu não conseguir, Deus vai me ajudando depois. Não adianta eu querer uma solução para tudo hoje – afirma a gestante, que conta com grande apoio da família, especialmente da irmã, a fotógrafa Deise Carvalho Cansi, 40 anos.
Um temor que era marcante, o da solidão, já não existe mais:
– Nunca mais vou estar sozinha.