Um amor que suporta um 7 a 1, convenhamos, é um amor verdadeiro. O alemão Hartwig Theodor Hansen, o Jimmy, e a santa-mariense Carla Regina servem como prova de que nem tudo foi um desastre naquele 8 de julho de 2014.
A jornalista Carla, 48, e o mecânico Jimmy, 57, se conheceram na véspera da abertura da Copa. Ela havia ido com uma amiga beber e ouvir um pouco de MPB no Ponto de Cinema, bar tradicional e ponto de encontro do pessoal mais descolado de Santa Maria. Ele estava lá, aproveitando uma folga. Havia 14 meses tinha desembarcado na Região Central, como mecânico da fabricante de blindados Krauss-Maffei Wegmann (KMW), instalada na cidade para dar manutenção a 220 carros de combate Leopard 1 A5.
Carla e a amiga conversavam recostadas ao balcão. Ao lado, Jimmy bebericava sozinho. As duas notaram o gringo deslocado e o convidaram para se aprochegar. Em inglês, o papo fluiu.
Tanto que Carla convidou-o para seu aniversário, dali a quatro dias. Como as mensagens de telefone seguiram, os dois acabaram saindo antes disso.
A partir daí, passaram a se ver quase todos os dias. Viam os jogos do Brasil e os da Alemanha juntos. Até que chegou o 8 de julho. Jimmy comprou cervejas e acepipes. Organizou um minikerb em seu apartamento. Além de Carla, havia um outro casal formado por um alemão e uma brasileira.
O jogo começou e havia alegria no ambiente. Todos sorriam, trocavam gracejos e provocações quase inocentes. Até que bola na área na área e gol da Alemanha. Mais 12 minutos, gol da Alemanha. Um minuto depois, gol da Alemanha. E outro gol da Alemanha. Nesse momento, o ambiente perdeu a leveza. Os alemães se constrangeram com que viam na TV. As brasileiras se olhavam e perderam a graça. Mais cinco minutos e... gol da Alemanha.
O relógio parecia andar mais lento. Vieram mais dois gols da Alemanha. Mas Jimmy e seu compatriota exibiram apenas um sorriso amarelo, em respeito às visitas. Haviam começado a tarde exultantes, entusiasmados, mas o 7 a 1 tinha tornado o programa deles uma esquisita combinação de alegria e constrangimento.
– No princípio, ele (Jimmy) estava muito entusiasmado. Mas foram tantos gols que ele deu uma segurada. Viu que tínhamos ficado sentidas com aquela goleada – conta Carla.
Os dois se despediram. Contornaram a situação inusitada e viram juntos a Alemanha ganhar a Copa. Jimmy ficou em Santa Maria até abril de 2015. Voltou para sua Flensburg, na fronteira com a Dinamarca, sem a certeza de que a KMW o recrutaria para nova temporada na Região Central do Rio Grande do Sul. Preferiu liquidar com as dúvidas. Pediu demissão e recebeu, um mês depois, a visita de Carla.
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Flensburg é uma cidade de cartão-postal, com suas casas estilo enxaimel às margens do Mar Báltico. Os alemães a reconhecem pelo seu fiorde, pela influência dinamarquesa, a quem pertenceu em boa parte dos seus quase 730 anos de existência, e por sediar os computadores de onde são enviadas as multas dos motoristas de todo o país. Nesse cenário de filme, Jimmy e Carla resolveram que casariam e abririam uma padaria. A discussão seguinte era se seria lá ou em Santa Maria.
Como desembaraçar as exigências das leis brasileiras era mais simples do que as alemãs, decidiram que o futuro deles seria em Santa Maria. Não só por isso, é bom que se diga. Jimmy adora o temperamento do brasileiro e, principalmente, o nosso clima. Tanto que, nas primeiras semanas aqui, tinha o hábito de sentar-se ao sol ao meio-dia para locupletar-se de melanina. Em outubro de 2015, casaram-se em Santa Maria. Ela acrescentou o sobrenome Hansen ao Suptitz, herdado dos bisavós vindos do sul da Alemanha. Ele voltou a Flensburg para desfazer sua vida lá e organizar a mudança em definitivo para o Brasil.
Dois meses depois, Carla desembarcou no norte da Alemanha. Passou a visitar padarias e cafés locais em busca de inspiração para o negócio que abririam em Santa Maria. O pão, conta ela, é essencial no dia a dia dos germânicos. Tão valorizado que é feito de maneira artesanal.
– Há mais de 2 mil tipos de pães na Alemanha. Eles usam farinhas diferentes, os pães são mais consistentes. Os doces, então, são maravilhosos. Engordei cinco quilos em um mês, mesmo me cuidando. O doce deles é muito saboroso, mas não tão doce como o nosso – compara.
Em dezembro de 2016, Jimmy se instalou de vez em Santa Maria. Levou tempo para desfazer a vida na Alemanha, principalmente, pelo fato de ser viúvo. Um mês depois, o casal abriu o Moin Moin, um misto de bistrô e padaria. Moin Moin é um cumprimento afetuoso usado no norte da Alemanha. Localizado a caminho do bairro Camobi, o bistrô é charmoso por fora e, principalmente, à mesa. Tudo que é servido ou vendido no balcão sai das mãos dos donos. Jimmy cuida da cozinha. Carla, da padaria.
Entre tantas idas e vindas, os dois criaram um idioma próprio para se comunicar. A base é o inglês, mas há palavras em alemão infiltradas.
Há sete meses em definitivo no Brasil, Jimmy sabe que precisa aprender o português.
Mas sem pressa. A mistura com o Brasil, que é o mais importante, já aconteceu. Isso depois de um 7 a 1 que constrangeu um alemão e ruborizou uma santa-mariense.