A promotora de vendas Juliana Chaves Ribeiro, 37 anos, viveu um relacionamento abusivo com o marido por cinco anos. O casamento terminou quando ele a agrediu com uma paulada na cabeça por não aceitar a relação dela com uma amiga. Foi difícil acreditar a que ponto havia chegado o relacionamento com o homem que escolheu para construir uma família e com quem teve duas filhas.
Mas ela venceu a vergonha e a humilhação, registrou boletim de ocorrência, seguiu firme com a denúncia e trilhou o caminho aberto pela Lei Maria da Penha. Quatro anos se passaram. Juliana recuperou a autoestima, retomou a vida longe do agressor e não se intimida ao mostrar o rosto ao lado de 12 mulheres em uma exposição na Delegacia da Mulher de Porto Alegre (localizada no Palácio da Polícia, com entrada pela Rua Professor Freitas e Castro).
– Hoje me sinto uma mulher maravilhosa por poder usar a roupa que eu quero, o batom da cor que eu quero e ir aonde eu quero. Hoje, a felicidade está onde eu quero que ela esteja – diz.
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A exposição de fotos, que desde 30 de março ocupa as paredes da delegacia, é de mulheres que pediram ajuda e conseguiram sair do ciclo de violência ao qual se submeteram durante anos por vários motivos: por envolvimento emocional, pelo elo com os filhos, por dependência afetiva e econômica, por sentirem-se culpadas pela agressão psicológica e física que sofriam e por questões culturais. Os retratos mostram os rostos de quem sofreu, mas mudou de vida, e estão ali para encorajar as vítimas que chegam todos os dias.
– O objetivo é que as mulheres enxerguem uma possibilidade de resgatar suas vidas, vendo tantas outras que passaram por essa situação de violência e conseguiram superar. O ambiente ficou mais humano e bonito. Elas olham as fotos, perguntam quem são essas mulheres e nós contamos as histórias. É uma maneira de motivá-las – diz a delegada Tatiana Bastos.
Como a violência doméstica envolve relações familiares, as vítimas têm mais dificuldade de denunciar e aceitar a mudança que elas precisam provocar para saírem da situação de violência. Além de registrar boletim de ocorrência, elas precisam encarar o fato de afastar o agressor do lar, alcançar autonomia financeira, lidar com a burocracia da separação. Em casos mais graves, precisam ser acolhidas em um abrigo. Por isso, a tomada de decisão pode levar tempo. Perceber-se em um relacionamento abusivo, que inicia antes da violência verbal e física, não é uma tarefa fácil.
– A gente acha muito romântico o namorado ter ciúmes da roupa ou do celular. Depois ele não quer que tu fales com este ou aquele. Mas ninguém tem o direito de te impedir de ir a algum lugar ou de se relacionar com as pessoas. Não existe relacionamento sem respeito – diz Juliana.
Além da exposição de fotos, a recepção da delegacia ganhou um "espaço kids" para acolher os filhos das vítimas. Em um cercadinho colorido, as crianças podem sentar-se em volta de uma mesa de madeira e colorir. Livros e brinquedos completam o espaço infantil. A humanização da delegacia foi pensada pelos policiais, que fizeram questão de doar boa parte do material.
– Entrar numa delegacia é um estigma. Elas têm de chegar aqui e encontrar conforto, pois é este local que vai ajudá-las. Temos que fazer deste ambiente o melhor possível para que essas mulheres se sintam encorajadas a nos procurar – afirma a delegada.
As fotos das 13 mulheres estão emolduradas em todas as salas, desde a recepção até os espaços onde são feitos os registros individuais.
O QUE FAZER
Como proceder em caso de violência doméstica:
Deve-se procurar uma Delegacia da Mulher para fazer o registro da ocorrência. Se na sua cidade não houver uma delegacia especializada, o registro pode ser feito em qualquer delegacia. A partir do registro, a delegacia pode fazer os seguintes encaminhamentos:
- Solicitar medida protetiva
- Solicitar o exame de corpo de delito e outras perícias (que servem como prova da violência)
- Encaminhar para um abrigo se estiver em situação de risco
- Fazer o acompanhamento até em casa para retirar os seus pertences em segurança
- Conduzir a vítima até o hospital se estiver lesionada
- Recomendar acompanhamento psicológico em um centro de referência para resgatar a autoestima
- Encaminhar para acolhimento assistencial e ajudá-la a resgatar a autonomia
- Encaminhar para atendimento na Defensoria Pública se precisar resolver questões cíveis como separação, partilha de bens, guarda dos filhos e pensão alimentícia
SERVIÇOS DE APOIO
Centro de Referência da Mulher Márcia Calixto (Porto Alegre): (51) 3289-5110
Centro Estadual de Referência da Mulher Vânia Araújo Machado (Escuta Lilás): 0800 541 0803
COMO FAZER SE O AGRESSOE DESCUMPRIR MEDIDA PROTETIVA
- Deve-se voltar à delegacia e registrar nova ocorrência toda vez que o agressor descumprir a medida, seja por mensagem, telefonema ou se fazendo presente nos lugares que a vítima frequenta. Ainda que ele não faça nenhuma ameaça, é possível registrar ocorrência por contravenção de perturbação da tranquilidade. É importante que a delegacia tenha conhecimento do histórico do agressor.
QUEM PODE SER CONSIDERADA VÍTIMA
- Toda mulher ou pessoa que se identifique na condição de mulher (incluindo transgêneros e transexuais) pode ser acolhida pela Lei Maria da Penha.
PRINCIPAIS TIPOS DE VIOLÊNCIA
- Ameaça
- Vias de fato
- Maus-tratos
- Perturbação da tranquilidade
- Injúria
- Difamação
- Calúnia
- Lesão corporal
- Estupro
- Cárcere privado
- Tentativa de feminicídio
- Feminicídio
EFEITOS DA MEDIDA PROTETIVA
- Afasta o agressor
- Proíbe contato
- Suspende visitas aos filhos menores
- Obriga ao pagamento de pensão
COMO PEDIR AJUDA
- Quer fazer uma denúncia? Ligue 180
- Precisa de encaminhamento ou orientação? 0800-54-10-803
- Precisa registrar ocorrência? Procure a DP