Pequim – Quando Wang Ge acorda, geralmente se pergunta: "O que Ivanka faria?".
Sim, Ivanka Trump, filha mais velha de Donald Trump, uma mulher que a chinesa nunca viu, mas adora.
Nos EUA, a primeira-filha se tornou uma figura controversa, tendo que enfrentar dúvidas constantes sobre conflitos de interesse e críticas por não fazer mais para moderar as políticas do pai para as mulheres.
Na China, porém, ela é idolatrada. Seu estilo de vida luxuoso e tino comercial atraem muitas jovens profissionais, ávidas por fama e fortuna em uma sociedade que traduz riqueza material por sucesso.
Wang tem fotos de Ivanka em seu iPad, aconselha as amigas esgotadas a lerem as dicas de autoajuda da moça ("Vá buscar sua força nos outros" e "Seja otimista"). E tenta basear sua rotina na da norte-americana, acordando às seis para aumentar a produtividade e reservando pelo menos meia hora para a leitura.
"Ela é bonita, tem carreira própria, é esforçada e tem uma família linda. É minha inspiração", revela Wang, 26 anos, aluna da Faculdade de Administração Cheung Kong, em Pequim.
Embora Donald Trump tenha criticado abertamente a China em questões como comércio e a Coreia do Norte, Ivanka ajuda a suavizar um pouco a imagem explosiva do pai.
Nas redes sociais, é chamada de "deusa". Um vídeo de sua filha cantando em chinês viralizou, gerando milhões de visualizações. Mães que também são profissionais se espelham em seu modelo de feminismo, mesmo que à maioria faltem recursos financeiros como os dela, e as empresárias estudam seus discursos em busca de dicas de sucesso.
Até a agência de notícias estatal Xinhua se manifestou recentemente, descrevendo o estilo de Ivanka como "elegante e contido".
"Muita gente acha que Ivanka é a verdadeira presidente. Nós achamos que inteligente é ela, não o pai", confessa Li Moya, 31 anos, que administra um aplicativo de aluguel de imóveis em Pequim.
Jovens chinesas que trabalham nos setores de tecnologia e finanças se sentem especialmente atraídas pela filha do presidente, que encaram como um símbolo elegante de poder e ambição. Elas afirmam tentar imitar sua tenacidade e confiança ao enfrentarem machismo e estereótipos no local de trabalho e na vida em família.
Muitas também se mostram impressionadas com sua decisão de começar uma grife própria em vez de simplesmente se dedicar ao império imobiliário da família.
"Ela é muito independente. Representa tudo aquilo a que aspiramos: é casada com um sujeito de família decente, é bonita e ainda tem carreira própria", elogia Wang Jiabao, 28 anos, produtora de TV de Pequim.
Alguns também acham que Ivanka incorpora os valores do Confucionismo, enfatizando a decisão de se converter ao judaísmo pelo marido e a fé inabalável que deposita no pai, ambas vistas como exemplo da devoção à família.
Nos centros urbanos chineses, populosos e estressados, suas dicas de equilíbrio ("Não durma com o celular na cabeceira", é uma delas) são bem recebidas por um público que só faz crescer.
Nos aplicativos de mensagens, as jovens trocam traduções de seus guias de autoajuda, enquanto as mães que trabalham fora compartilham suas sugestões de como dedicar mais tempo para os filhos.
Empresas chinesas também tentam lucrar com a popularidade de Ivanka Trump, registrando centenas de inscrições de patentes e marcas registradas com seu nome – Yi Wan Ka, em chinês – para produtos e serviços como sapatos, tratamentos de spa, cirurgia plástica e cerâmica.
Ainda assim, sofre críticas. Há quem se mostre cético em relação às políticas de seu pai e perturbado com sua decisão de ela fazer parte do governo, já que serve de "assistente" do presidente. Outros acham que, tendo nascido em berço esplêndido, não pode servir de referência para os chineses comuns.
"Ela se esforça muito, finge demais", sentencia Shi Yixuan, 22 anos, que trabalha na administração da Universidade Peking, em Pequim.
Porém, muitas mulheres reconhecem nela atributos chineses.
"Por baixo daquela imagem sofisticada há valores muito tradicionais. A família dela é quase uma dinastia", filosofa a consultora de comunicações Dai Linjia.
Embora seu pai tenha ameaçado uma guerra comercial com a China e criticado a iniciativa do país de construir postos militares no Mar do Sul da China, Ivanka Trump e o marido, Jared Kushner, investiram em uma ofensiva charmosa com a nação.
Ajuda muito o fato de sua filha, Arabella, falar chinês, idioma que lhe começou a ser ensinado pela babá. A menina e sua mãe participaram do festival do Ano Novo Lunar, na embaixada chinesa de Washington, em fevereiro, evento que foi transmitido com destaque no noticiário chinês.
Dias antes de seu pai se encontrar com Xi Jinping, o presidente chinês, Ivanka postou uma foto de seu caçula, Theodore, brincando com bloquinhos de madeira com ideogramas chineses.
Segundo os analistas, sua popularidade pode ajudar a melhorar as relações entre a China e os EUA neste período tenso.
"O pai dela vive criticando a China, mas a atitude de Ivanka mais do que compensa esse fato. O governo chinês verá que há tanto um lado bom e outro, nem tanto, dos EUA", explica Shi Yinhong, professor de Relações Internacionais da Universidade Renmin de Pequim.
Para Wang, a aluna de Administração, a esperança é a de que Ivanka ajude a melhorar a imagem chinesa nos EUA.
"Ela é um exemplo muito bom. Acho que pode ajudar na aproximação dos dois países."
Por Javier C. Hernández