por Pedro Mezgravis
Centista social, doutorando em Geografia Humana na FFLCH-USP, com pesquisa sobre inovação tecnológica e o mercado editorial
O mercado editorial brasileiro está em transformação. Novos atores econômicos poderosos chegam ao país, outras notícias indicam ampliação de concentração econômica (a provável fusão entre Saraiva e Livraria Cultura), concomitantemente com o fechamento de muitas pequenas livrarias Brasil e ascensão de novas tecnologias de acesso aos livros. Para iniciar, proponho uma diferenciação entre as grandes redes varejistas e as pequenas livrarias, para captarmos suas especificidades.
As grandes redes varejistas possuem maior capacidade de negociação junto a fornecedores, captação e realização de investimentos, capacidade de se instalarem em diferentes pontos do território nacional principalmente nas grandes cidades e em pontos nobres como shopping centers. São mais inovadoras em práticas comerciais e inovações tecnológicas.
A Livraria Saraiva, por exemplo, na década de 1990, fundou em São Paulo a primeira megastore que atendia às demandas culturais (livros, revistas, música), tecnológicas (a ascensão dos artigos de informática e de celulares) e com espaços de convivência equipados com cafés, espaços de leitura e anfiteatros. A Livraria Cultura, mantendo o foco na venda de livros e sua identidade de livraria, seguiu trilha semelhante. Abriu lojas amplas, com imensa variedade de títulos (bibliodiversidade), espaços para atividades culturais (auditórios e o Teatro Eva Herz) e serviços de café.
Antes de trazermos a questão das pequenas livrarias, é importante detalhar brevemente o atacado e varejo dos livros impressos no Brasil, como os livros saem das editoras e são distribuídos por todo o território nacional e formam parcela crucial do sistema econômico do livro. A base econômica para os preços dos livros, em suma.
Depois que uma obra sai da gráfica, normalmente em tiragens mínimas de milhares de exemplares, as editoras dedicam uma parte do estoque em regime de contratos de consignação à distribuidoras de livros em diferentes pontos do território brasileiro para que atendam prontamente e com a maior variedade possível de títulos, como estoques regionais, as livrarias e pontos de vendas locais. A editora estipula o preço de capa e de descontos para distribuidoras (aproximadamente 50%) e livrarias (aproximadamente 30%). O preço final do livro precisa dar conta de remunerar esta divisão do trabalho e que inclui os direitos de autor.
As pequenas livrarias atendem o público leitor fundamentalmente local, desde cidades menores aos bairros de grandes metrópoles. A sua atuação é a da vizinhança, condição territorial semelhante às bibliotecas. Neste sentido, as pequenas livrarias são também pontos de acesso ao conhecimento e à informação. A presença ou fechamento de pequenas livrarias pode ser observada em correlação com os índices de leitura em uma localidade e em uma região.
Amazon no mundo e no Brasil
O modelo de negócio primordial da Amazon é o comércio eletrônico de livros impressos. Revolucionou o sistema de logística dos livros, com negociações diretas com editoras e sistema internacional de envio. Desta forma ganhou grande capacidade de negociação com fornecedores de qualquer origem e, assim, capacidade de oferecer descontos maiores que os praticado normalmente aos clientes. Expandiu-se para ser "a loja de tudo" e uma das maiores empresas de gestão de tecnologia da informação (Amazon Web Service). É o principal referencial em e-commerce, como modelo de negócio, no mundo. A partir do e-commerce dos livros impressos é que foi possível consolidar o seu modelo de negócio de livros eletrônicos Kindle (aparelho leitor e aplicativos) em 2007.
No Brasil, a Amazon influenciou diretamente os modelos de negócios das grandes empresas na internet. Saraiva e Livraria Cultura são pioneiras nacionais em ecommerce de livros, seguindo as identidades e características de suas lojas físicas. Por sua vez, o e-commerce também abriu novas oportunidades às editoras em todo o mundo: a venda direta aos leitores, livrando toda a intermediação das distribuidoras e livrarias. Permite oferecerem descontos melhores para os leitores, melhorando assim a lucratividade com relação ao preço final, com redução de perdas e danos de exemplares. No Brasil, tanto as editoras quanto toda estrutura de e-commerce, contam com a eficiência territorial dos Correios como sistema de envios.
A Amazon chegou oficialmente ao Brasil em 2014. Sua influência que gerou maiores expectativas foi no ramo dos livros eletrônicos. A Saraiva criou o sistema de e-books LEV em 2014, que inclui o aparelho de mesmo nome. E a Livraria Cultura fechou parceria de negócio com a canadense Kobo em 2012.
Mas a Amazon ainda enfrenta no Brasil as mesmas condições da distribuição dos livros impressos de suas concorrentes. Foi a grande compradora de todo o acervo restante de falência da Editora Cosac Naify. Muito em breve estas limitações serão superadas e sua política de descontos agressivos, que a transformou em uma gigante internacional em prejuízo direto às livrarias locais, se consolidará. O debate em torno do preço único dos livros ganha centralidade e importância no Brasil.
Para encerrar com esperança e inspiração, dadas as condições adversas de leitura no Brasil, existe uma efervescência cultural popular nas cidades brasileiras, especialmente nas periferias das grandes cidades. Autores buscam meios próprios e coletivos de publicação, distribuição e acesso de suas obras (em formato impresso e digital). Localidades que nunca tiveram livrarias e bibliotecas (ou ao menos não integram plenamente a dinâmica da vida local) formam centros de produção cultural que trazem novas oportunidades sociais e econômicas, demonstrando assim um dos conceitos mais desafiadores e inspiradores do geógrafo Milton Santos: a força dos lugares.