Defensora da disseminação de informações para escolha consciente de métodos contraceptivos, a ginecologista Halana Faria, que atua em Florianópolis e São Paulo, é mestra em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo. A especialista também atua no Coletivo Feminista Sexualidade em Saúde, uma ONG que enfoca a atenção médica humanizada a mulheres desde 1981. Na internet, ela mantém o blog Casa de Amaterasu, onde aborda a ginecologia sob a perspectiva feminista.
Confira a entrevista concedida ao Diário Catarinense sobre o caminho que vem sendo feito pelas mulheres na direção oposta à pílula anticoncepcional:
Por que tantas mulheres usam anticoncepcional?
Historicamente a pílula foi um avanço enquanto símbolo, porque as mulheres passaram a exercitar sua sexualidade desatrelada da reprodução. Mas esse método torna-se hegemônico por vários motivos. Pela influência de laboratórios farmacêuticos sobre a prática médica, porque cai como uma luva na crença da "ciência ginecológica" de que o corpo feminino sempre precisa de correção. Então a pílula passa a ser encarada como uma medicação para além da contracepção: ela regula pelos, acne, cólica, dor nas mamas, TPM. E também porque para muitas mulheres a praticidade e modernidade associadas à pílula é interessante. É recente que as mulheres e pessoas de maneira geral questionem as instituições e as coisas que consomem. É um método contraceptivo e não acho que devamos descartar nenhum deles. Ela vai ser um bom método para algumas mulheres e para outras não.
Os efeitos colaterais dos contraceptivos hormonais (pílulas, anel, injetável SIU etc) podem ser perigosos? Como o risco é avaliado? Os médicos geralmente fazem essa análise antes de indicar?
Sim, há risco de trombose de membros inferiores e também de trombose venosa cerebral. Esses são os eventos adversos mais comentados, porque mais graves. De maneira geral, é preciso avaliar a história médica da mulher e familiares. Não há uma indicação precisa para que se peça exames antes de indicar uma pílula combinada. Mas as mulheres precisam saber que passar por cirurgias que impliquem imobilização ou até mesmo viagens longas de avião podem incrementar esse risco. Além da trombose, outras questões tem sido levantadas como o risco aumentado de depressão, como nesse estudo bacana do JAMA Psichiatry, bem recente (link). Outras questões são risco aumentado para desenvolvimento de diabetes, adenoma hepático (tipo de tumor benigno do fígado), alterações mamárias, aumento do risco de câncer de colo do útero, diminuição de libido e alterações de humor. É muito comum que mulheres iniciem um anticoncepcional oral por recomendação das amigas e comprem direto na farmácia. Mas essas questões deveriam todas ser abordadas por médicos/as antes de prescrever o método.
Por que muitas mulheres vêm largando esse método?
Passamos por um processo de tomada de consciência em diversos aspectos de nossas vidas. O que se usa como forma de evitar filhos é só mais uma questão dentro dessa percepção da importância do direito a escolhas. Que não são somente individuais. O desafio é tornar esses questionamentos mais amplos a ponto de podermos oferecer escolha de verdade para todas as mulheres. Gostaria muito de ver as mulheres nas redes sociais se organizando para cobrar do SUS [Sistema Único de Saúde] e da saúde suplementar um amplo acesso a informação sobre contracepção. Há também um papel importante das redes sociais em difundir as críticas e opções. O que ouço muito em consultório é como as mulheres têm tido acesso negado à decisão informada em termos de contracepção. Mesmo diante de queixas relacionadas ao uso da pílula, muitas mulheres afirmam que só recebem como opção a troca de marca de pílula, em geral uma amostra-grátis saída das gavetas dos consultórios.
O que a mulher precisa ter em mente antes de escolher um (novo) método contraceptivo?
Ela precisa conhecer os riscos e benefícios, taxa de falha e contra-indicações de cada método. A mulher também precisa saber de suas necessidades e possibilidades. Se uma mulher já tem um fluxo menstrual excessivo e sofre de cólicas menstruais por exemplo, não deveria pensar no DIU de cobre como opção. A ideia é que o método seja pensado sempre a partir da realidade e necessidades de cada mulher. Não estar sujeita aos riscos da exposição aos hormônios talvez seja um dos maiores motivos que leva as mulheres a pensar em outras opções. Tem uma tabela bem importante que precisa ser mais difundida: critérios de elegibilidade para cada método (veja aqui).
Quais são os benefícios da contracepção não hormonal?
Não estar sujeita aos riscos da exposição aos hormônios talvez seja um dos maiores motivos que leva as mulheres a pensar em outras opções, mas é preciso reconhecer que todo método tem seus riscos e benefícios. O DIU de cobre, por exemplo, costuma aumentar cólicas, aumenta o fluxo menstrual e aumenta o risco de DIP (doença inflamatória pélvica), que é uma doença causada pela ascensão de microorganismos causadores de DSTs pelo orifício do colo até o útero. Então mulheres que querem usar o método precisam estar cientes da necessidade de uso de camisinha associada. Como, aliás, todas as mulheres deveriam fazer, usar camisinha sempre em todas as relações. Como sabemos que a realidade é que parceiros deixam de usar camisinha em relações "estáveis", é importante que as mulheres conversem com seus parceiros sobre o fato de estarem mais vulneráveis usando esse método. É importante dizer também que não é só o uso de DIU de cobre que aumenta o risco de DIP. Procurar ajuda médica com corrimento e dor, e receber prescrição de pomada sem ser examinada também aumenta o risco de DIP. O medo de DIP é justificável mas a recusa em inserir DIU por acreditar-se que as mulheres são promíscuas é desconsiderar sua capacidade de compreender o fato e fazer uma escolha. Um diafragma por exemplo, que é um método de barreira, quando usado em tamanho inadequado pode pressionar a uretra por dentro da vagina e aumentar o risco de infecções urinárias.
O que falta para que métodos como o sintotermal ou a ovulação de Billings sejam mais conhecidos?
Falta que aprendamos sobre eles em casa, na escola. Falta que profissionais de saúde aprendam a orientar esses métodos. Falta que mais mulheres usem para que possam ensinar umas às outras. A dedicação e o grau de observação que o método sintotermal requer não são para todas as mulheres. Mas o seu entendimento é de grande valia para que as mulheres percebam a maravilha que é o nosso corpo. Para que entendam como funciona seu ciclo menstrual que é um mistério para a maioria. Essa ideia de ajudar as mulheres a conhecerem seus próprios corpos nunca foi muito a lógica da prática médica. A vagina e o colo do útero são territórios acessíveis visualmente somente aos profissionais. Por isso, entregar um espéculo para uma mulher e ensinar como ela pode se observar todo mês é tão revolucionário. É acreditar na capacidade das mulheres de se examinarem, de cuidarem de si. Esse conhecimento é poder. Um livro bem bacana para quem quer aprender é "Taking charge of your fertility", traduzido para muitas línguas mas infelizmente ainda não disponível em português.
Esses métodos podem ser igualmente seguros em relação à proteção de uma gravidez?
Bom, a verdade é que não temos estudos que avaliem o risco de gravidez da maneira como muitas mulheres os estão utilizando, que é de forma combinada. Muitas mulheres me procuram para fazer a medida do diafragma, por exemplo, para o usarem conjuntamente com a camisinha. Isoladamente, a taxa de falha do diafragma é considerada alta: a cada 100 mulheres, 6 a 12 mulheres que usam o método engravidam a cada ano. O método sintotérmico usado isoladamente nem aparece nas tabelas do índice de Pearl (que mede eficácia de cada método). Na minha opinião, aprender a usar camisinha como método é o melhor que uma mulher tem a fazer. Usar outros métodos tem feito as mulheres sucumbirem ao não uso da camisinha. Parece quase uma maneira de demonstrar fidelidade e amor. Não precisamos disso. Mulheres de todas as idades que já têm relação precisam aprender a andar com camisinha na bolsa. Mas a sociedade machista em que vivemos dificulta isso, porque as mulheres aprendem que isso é sinal de promiscuidade e que quem dever ter camisinha consigo é o homem.
E em relação às DSTs, qual deve ser o alerta?
Independente do método contraceptivo de escolha, precisamos entender como é importante usar camisinha. Seja numa primeira transa, seja no casamento de 20 anos. Sexo não tem a ver só com penetração, então quem acha que camisinha mela a transa deveria reavaliar como está transando. É possível também erotizar o uso da camisinha para que deixe de ter esse fardo pesado de destruidor de transa para ocupar o lugar de parceira indispensável para uma transa segura e gostosa.