Sentindo que perdia a visão gradativamente, a estudante Janille dos Santos, 26 anos, foi internada em 2013. A partir dos sintomas relatados – fotofobia, visão dupla, perda da visão periférica, desorientação e dor na nuca –, os médicos em Itajaí deduziram inicialmente que o diagnóstico da paciente seria de meningite ou de tumor cerebral. Chegaram a cogitar uma intervenção cirúrgica que previa a abertura do crânio. Mas a confirmação de "pressão intracraniana idiopática" obtida pelos profissionais catarinenses viria com outros exames, que contrariaram as expectativas iniciais.
A dor foi aliviada com duas aspirações lombares para retirada do líquido que pressionava a cabeça da jovem, no entanto ainda era preciso descobrir a origem da anomalia. Foi aí que Janille decidiu procurar a opinião de outros profissionais. Dessa vez no Rio de Janeiro, onde vive desde então, realizou outra bateria de exames, cujo resultado foi certeiro: trombose venosa cerebral causada pelo uso de pílula anticoncepcional, o que a jovem chama hoje de "veneno".
– Encontrei uma neurologista maravilhosa, que deu um grito quando viu minhas ressonâncias e descobriu que eu ainda estava tomando o anticoncepcional. Nenhum dos vários neurologistas de Itajaí havia sequer considerado o diagnóstico, muito menos a possibilidade de tudo estar ligado à pílula. Não fumo, não tenho histórico familiar e havia acabado de perder bastante peso, ou seja, não estava dentro de um grupo de risco.
Situações como as de Janille têm ganhado amplitude com as redes sociais e acendem um alerta para os efeitos colaterais das pílulas anticoncepcionais, método que, geralmente, é a primeira opção das mulheres que têm vida sexualmente ativa e não querem engravidar. Apesar de ter garantido a liberdade sexual feminina na década 60, o medicamento parece cair em desuso agora, em uma espécie de nova revolução sexual.
O presidente da Sociedade Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia em Santa Catarina, Ricardo Maia Samways, garante que contraceptivos hormonais ainda são os mais procurados, pelo o que ele atribui à eficácia e comodidade. Mas o ginecologista reforça que deve haver orientação acerca de possíveis riscos e também de todas as aproximadamente 18 opções de proteção existentes.
– Antes de introduzir anticoncepcional, o histórico clínico da paciente e da família tem que ser feito. O risco real na maioria dos casos é quase zero. Por outro lado, nós explicamos os outros métodos, só que eles não dão a segurança que os métodos hormonais dão. E alguns necessitam de adaptação da paciente, que tende a recusar um diafragma, por exemplo, por ter que se tocar e se conhecer muito bem – explica.
Descoberta de outras opções e do próprio corpo
As formas alternativas e sem hormônios para se precaver de uma gravidez indesejada vão do DIU até métodos totalmente naturais que envolvem conhecimento do próprio corpo, e a tradicional camisinha – único método capaz de evitar o contágio com doenças sexualmente transmissíveis. Esse último voltou à rotina da advogada criminalista Ariela Melo Rodrigues, 27, com o namorado, depois que ela teve problemas de saúde. A moradora de São José iniciou a contracepção com os comprimidos antes de completar 16 anos, a partir da indicação médica para anemia.
– Nunca tive problemas, mas no ano passado comecei a ter uma enxaqueca muito forte, que piorava no período menstrual. Então a médica sugeriu que eu parasse com a pílula por um mês para ver como ficava. Parei para sempre, porque me senti bem melhor sem hormônios sintéticos circulando pelo corpo – conta.
Para prevenir-se, agora a jovem utiliza com o namorado apenas a camisinha.
– Parecia [que a pílula] era a única opção. Para mim, minha irmã, minhas amigas. E quase nunca fomos alertadas dos efeitos colaterais – lamenta Ariela.
Combinação de alternativas aumenta eficácia a quem quer evitar gravidez
A necessidade de se conhecer bem foi encarada com assiduidade pela bibliotecária de Florianópolis Eduarda de Oliveira, 25. Fiel à pílula dos 17 aos 24 anos devido à indicação médica para tratamento de acne, ela decidiu interromper a contracepção hormonal há um ano.
– Tomar pílula anticoncepcional se torna rotineiro. Eu tomei por vários anos sem realmente repensar a questão. Pensava que não tinha efeitos colaterais, mas na verdade eu nem sabia como meu corpo funcionava sem a pílula – lembra.
Depois de estudar alternativas durante alguns meses por conta própria em artigos científicos, blogs e redes sociais (como nos grupos fechados de Facebook Adeus Hormônios: Contracepção não-hormonal, que tem 117 mil membros, e DIU (T DE COBRE) TUDO SOBRE TODOS OS DIU, com quase 40 mil participantes) ela decidiu pelo método de percepção de fertilidade denominado sintotermal.
– É uma forma de observar, registrar e interpretar diariamente os sinais de fertilidade do corpo, que são indicados pelo muco cervical e pela temperatura basal – diz.
Eduarda acrescenta que os métodos de percepção da fertilidade exigem disciplina e esforço durante a fase de aprendizado:
– Mas trazem a enorme vantagem do autoconhecimento, do monitoramento da saúde e de ver o corpo "funcionando sozinho" – pondera.
Em dias considerados inseguros para quem quer evitar a gravidez, ela associa a camisinha nas relações sexuais. A combinação de dois métodos para garantir a segurança é aprovada pelo ginecologista Ricardo Maia Samways.
– Se a mulher quiser mesmo ficar sem hormônios, o ideal é que haja associação de métodos, porque aí a taxa de eficácia da contracepção pode ficar equivalente à pílula – orienta o médico.
A estudante Priscila Ribeiro fez a combinação de DIU de cobre e camisinha para se proteger. Depois de não se adaptar à pílula, ela passou a utilizar o dispositivo intrauterino. A inserção foi feita pelo Sistema Único de Saúde em Florianópolis, por meio do programa de Planejamento Familiar.
– Acabei percebendo que qualquer outro método que tivesse hormônio ia dar quase o mesmo resultado da pílula. Também vi que muitas estavam usando o DIU e que era possível colocar pelo SUS, me informei e consegui – diz.
Procurada para comentar os efeitos colaterais das pílulas anticoncepcionais, a Associação Brasileira da Indústria de Medicamentos Isentos de Prescrição não se pronunciou.
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