Numerados de um a cinco, os casais concorrentes, postados no centro do salão da Comunidade Evangélica Martin Luther, aguardavam o sorteio que definiria os novos detentores de uma das maiores honrarias de Teutônia. Nem parecia dia de semana: o espaço fervilhava com mais de 700 pessoas na quarta-feira 9 de novembro. Depois da celebração religiosa, do pronunciamento de autoridades, das apresentações de dança e teatro e do bufê com churrasco no almoço, a grande festa anual em homenagem aos idosos da cidade do Vale do Taquari aproximava-se do ápice, com o anúncio da nova corte.
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Cada número retirado de um saquinho indicava os pares de candidatos que iam sendo desclassificados da disputa. Restou o número 1. Ao microfone, Jeferson Altmann, assessor de imprensa da prefeitura, preparou-se para a revelação:
– Para o próximo ano, nós vamos ter a companhia, em todos os nossos eventos, do casal...
Ciente da ansiedade da plateia, Altmann fez uma pausa, segurando o segredo por mais um punhado de segundos. E caprichou na entonação:
– ...Verno e Nelsi Lagemann!!!
O público explodiu em palmas e gritos. Incrédulos, os vencedores olharam para os lados, buscando a confirmação do que haviam acabado de ouvir. Sim, isso mesmo, a organização ratificou, eram eles. Os aposentados Verno, 74 anos, e Nelsi, 77, abraçaram-se, emocionados, e receberam as faixas brancas bordadas em vermelho com que desfilaram para a apreciação dos convidados: Rei e Rainha da Melhor Idade de Teutônia. Marco Osterkamp e banda deram início ao show, e o casal real rodopiou em uma valsa pelo salão, abrindo oficialmente o baile.
– Foi uma alegria. Nos sentimos felizes. Queremos honrar o nosso município – conta Nelsi, sentada no sofá da sala de casa, ostentando a faixa e a coroa do reinado, ao recordar o grande dia durante a visita de Zero Hora, em uma tarde de dezembro.
Teutônia tem uma ativa comunidade acima dos 60 anos. Quinze grupos de convivência para idosos integram a Associação dos Grupos da Melhor Idade, organizadora do evento do mês passado – no concurso, os Lagemann representaram o Bem-Me-Quer. Rei e rainha passam a ocupar posição de reverência em um circuito frenético de bailes pelas cidades da região. Outros compromissos, como a olimpíada regional, com competições de bolão, carteado e câmbio (vôlei adaptado para os mais velhos), também demandam a ilustre presença da realeza. A partir de agora, Verno e Nelsi turbinam uma rotina que já era bem movimentada, com uma média de três reuniões dançantes por semana.
– Temos muita amizade nos bailes! – orgulha-se ela.
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O relacionamento que hoje se revigora nas pistas de dança começou em uma delas. Verno e Nelsi se aproximaram em um fandango na localidade de Linha Harmonia, no interior do município, no início da década de 1960. Mesmo receoso de que a moça declinasse do convite para acompanhá-lo em uma música, o rapaz resolveu arriscar. Nelsi aceitou, e eles emendaram mais de uma canção. Ainda bailariam juntos por sete ou oito meses até que a parceria enveredasse para namoro.
– Não era como hoje – recorda Nelsi, oferecendo uma justificativa para a aparente morosidade dos trâmites afetivos.
Casaram-se dois anos depois, com uma celebração simples, em maio de 1964. Tiveram três filhos, cinco netos, um bisneto. Trabalharam por anos na mesma escola agrícola: ela como merendeira, ele de capataz. Depois da aposentadoria, as obrigações hoje se restringem às lides domésticas, sem que atrapalhem a maior diversão da dupla. Em dia de baile, que começa cedo, no início da tarde, o casal toma um café da manhã reforçado e pula o almoço, deixando a próxima refeição para o local da festa, onde se pode comer cuca, rosca e pastel. De costume, intercalam uma sequência de cinco ou seis músicas com pausas para recuperar o fôlego. Nos meses de verão, são necessários intervalos mais frequentes, já que nem todos os salões contam com ar-condicionado, e os ventiladores de teto não dão vencimento ao calorão. A trilha sonora inclui música típica alemã e gauchesca. Verno e Nelsi dançam de tudo, com exceção de tango, que ele não aprecia. Tem sido assim por cerca de 20 anos e, a partir de agora, o ânimo dos bailarinos será ainda mais exigido – mas a sobrecarga da fama também oferece vantagens.
– Rei não paga – destaca Verno, faceiro com a quantia que será economizada no pagamento de ingressos.
Os Lagemann trocam os chinelos por sapatos na hora de posar para as fotos da reportagem no pátio da residência, onde há fartura de verde, com parreiras e hortênsias. Antes da despedida, a aposentada faz questão de mostrar os brindes que ganhou com a coroação: um CD do coral municipal, duas toalhinhas, duas bombas de chimarrão, uma capa acolchoada para garrafa térmica com uma paisagem teutoniense. A repórter, constrangida, tenta resistir, mas Nelsi insiste e a presenteia com uma das bombas (“Tenho bomba para a minha vida inteira!”, argumenta) e a capa decorativa. Um último agrado: Nelsi vai à cozinha e volta com um panetone.
– Vamos comemorar!
Durante as festividades de final de ano, a agenda dos Reis da Melhor Idade tem uma pausa – o próximo arrasta-pé está marcado para 7 de janeiro, em Bom Retiro do Sul. Até lá, o casal aproveitará as reuniões em família. Na noite deste sábado, Verno e Nelsi serão os anfitriões para a ceia de Natal, que terá chester assado, salada de maionese, farofa e arroz à grega para celebrar um ano feliz: todos permanecem unidos, gozam de boa saúde, e os netos foram aprovados por média na escola.
– Vamos torcer para 2017 ser bom. Teremos muitos bailes e temos que estar dispostos para ir. Tomara que o nosso bom Deus nos ajude – pede a rainha.