Braço erguido, dedo firme pressionando o borrifador, Maira Maria Klauck, 21 anos, caminha pela loja, a intervalos regulares, espalhando um cheiro bom. É uma de suas tarefas como assistente de atendimento, mas ela aproveita para dar um toque pessoal, escolhendo uma de suas fragrâncias preferidas: brisa, flor de cerejeira ou bambu.
Maira adora sabonetes, xampus, batons, hidratantes – circulando à vontade pelos corredores da farmácia Panvel da Rua Bento Gonçalves, no centro de Novo Hamburgo, ela experimenta um e outro cosmético enquanto orienta os clientes e repõe mercadorias. Conhece em detalhes os diversos setores, e quando a repórter solicita um desodorante sem perfume ela apressa o passo, certeira, na direção do produto. Pega na prateleira um da marca própria da rede.
LEIA AS OUTRAS HISTÓRIAS:
2016: o ano em que Verno e Nelsi venceram um concurso
2016: o ano em que a família Prestefelippe reencontrou o cão Rocco
2016: o ano em que Viviane aprendeu a andar de bicicleta
2016: o ano em que Daniela salvou a vida de um estranho
– Esse é bom! – elogia, entregando o frasco. – Já experimentei – acrescenta ela, o laranja que pinta os lábios combinando com o ruivo dos cabelos.
A atendente avança com sua estratégia de convencimento e aproveita para recitar em voz alta os dizeres do cartazete afixado na estante, apropriando-se do texto em tom de exclamação, adequado para uma oferta que julga imperdível:
– Na compra de dois desodorantes aerossol, cada um sai por R$ 8,96!
Antes que a cliente decida, Maira apresenta outra opção, uma embalagem com três unidades, de fabricante distinto.
– Você pode levar mais e pagar menos! – lê ela na etiqueta promocional.
Maira ingressou na empresa como jovem aprendiz, cumprindo um período de estágio que se encerrou em agosto. Ansiosa, ela passou então a se questionar sobre o resultado de seu desempenho: seria efetivada como funcionária ou não? Dias depois, veio a notícia que deixaria a família louca de faceira – Maira estava conquistando o primeiro emprego.
Para Gecy Klauck, 61 anos, os benefícios do ingresso da filha no mercado de trabalho já são evidentes.
– Ela amadureceu, tem mais autonomia, mudou atitudes em casa, tem mais opinião, está mais segura – observa a empresária e coordenadora da Coordenadoria de Políticas Públicas para as Pessoas com Deficiência da prefeitura de Novo Hamburgo.
Caçula de três irmãos, Maira nasceu após uma gestação que transcorreu sem suspeitas. No primeiro contato pós-parto com o bebê, Gecy percebeu que havia algo de diferente. Em um mês, o resultado de um exame genético confirmou o diagnóstico: síndrome de Down.
– É um susto, mas você sabe que tem de tocar o barco – descreve a mãe.
Leia mais:
Síndrome de Down: a expectativa de Daiani pela chegada de Luiza
Em desfile emocionante, menina com Down ganha faixa de homenageada
Para se orientar na jornada imprevista, os Klauck logo passaram a frequentar a Associação de Familiares e Amigos do Down (Afad). Maira teve sessões de estimulação precoce e fonoaudiologia, foi matriculada em escolas regulares, aprendeu a ler por volta dos nove anos e prosseguiu até concluir o Ensino Médio. Entusiasta dos palcos, destacou-se em espetáculos de dança. Adora música e celebridades – em um show recente, o cantor sertanejo Luan Santana, um de seus maiores ídolos, beijou-lhe a mão, que ela resistiu muito em lavar. Quanto à continuidade na formação, a garota vem avaliando com os pais opções de curso para o Ensino Superior – Gastronomia, talvez.
– Todo dia é um aprendizado. Ela nos surpreende todos os dias, é uma coisa impressionante – conta Gecy, interrompida pelas lágrimas mais de uma vez durante a entrevista. – Você tem um diamante na mão. De que maneira você vai torná-lo um brilhante? Essa missão é muito sublime. Eles vêm para brilhar. Nós precisamos da sociedade, do poder público, do entendimento, do respeito das pessoas. Precisamos olhar para além da deficiência, olhar a essência – reflete.
Parentes, amigos e conhecidos também festejam a conquista de Maira. Volta e meia alguém liga para Gecy para comentar: “Adivinha quem eu vi hoje na farmácia?”. A mãe investe na propaganda, angariando clientes para a filha:
– Vai lá na farmácia da Maira. Mas tem que ser de manhã!
Um dos compradores habituais que se alegraram com a contratação, o professor de Geografia Paulo Renato Thiele, 52 anos, procura a ex-aluna quando chega e demanda atenção.
– Quero ser atendido pela moça mais bonita dessa loja! – anuncia Thiele.
Maira tem economizado o salário que recebe, sonhando com uma viagem ao Rio de Janeiro para conhecer o Cristo Redentor. Com a proximidade do Natal, ao ser questionada pela mãe sobre o que gostaria de ganhar de presente, respondeu que não precisava de nada. À reportagem, confirmou o episódio e repetiu: nada.
– Eu tenho chinelo, tenho bolsa, tenho maquiagem, tenho sapato. Eu tenho tudo – enumerou. – Só quero amor.
Pensou por mais um instante e emendou:
– E dinheiro e paz.