Eva Tainara, cinco anos, sonha em ser Maria Júlia Coutinho. A irmã, Gabriele, nove anos, se inspira em Taís Araújo. Igor, oito anos, já quis ter o cabelo de Neymar, assim como Ana Luiza, nove anos, admira e se espelha no jogador. Já Sara Beatriz, sete anos, se divide entre o interesse em ser a mulata Globeleza, o encanto pela nova Miss Brasil e a vontade de ser como a cantora Ludmilla.
No Dia da Consciência Negra, o Diário Gaúcho ouviu crianças da Capital e de Viamão para saber quem são as suas referências, em quem elas se espelham.
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– É muito provável que as crianças em geral e não apenas as negras tenham como referência personagens valorizadas na mídia, associadas a ideia de sucesso, poder econômico e prestígio. Temos que ir além dos ícones da sociedade de consumo – observa o professor de História da África e coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, Indígenas e Africanos da Ufrgs, José Rivair Macedo.
A questão da exemplaridade social é extremamente importante na formação de uma identidade positiva de pessoas negras, segundo o professor. Exemplos positivos podem fortalecer a autoestima e estimular o surgimento de representações positivas, não apenas no meio artístico-cultural mas também no meio intelectual, na atividade pública, no meio empresarial.
"Meninas Black Power"
– Desde adolescente, via minhas amigas acompanhando as revistas de moda e eu não conseguia me identificar com as modelos de cabelos lisos e loiros. Sofria muito com isso – disse Tainá Almeida, 29 anos, coordenadora do coletivo Meninas Black Power, do Rio de Janeiro, em visita a Porto Alegre, no evento TEDxUnisinos, mês passado.
A menina negra do Irajá, bairro da Zona Norte do Rio, alisava os cabelos, a partir das referências da época – em que Xuxa e Mara Maravilha, brancas e de cabelos lisos, eram as estrelas dos programas infantis. Melanie B., do grupo musical britânico Spice Girls surgiu como primeira inspiração para um processo que a levou, anos depois, a decidir deixar os cabelos naturais.
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– A gente precisa de modelos afirmativos, mas não só a Miss Brasil, no telejornal, na protagonista da novela, mas também matemáticos, físicos, engenheiros negros brilhantes. Precisamos de quem é como queremos ser – conclui Tainá.
A mini Maju e Taís Araújo advogada
Foi depois de uma aula sobre a cultura afro, ministrada por uma professora cuja imagem a auxiliar de limpeza Maríndia de Moura Gomes Kubiaki, 34 anos, não esquece – uma mulata muito bonita, de cabelos crespos – que a moradora do Bairro Humaitá, na Capital, passou a entender o quanto é importante gostar da própria imagem refletida no espelho.
E essa lição ela passa de uma maneira muito carinhosa para as filhas Gabriele Machado Moura, nove anos, e Eva Tainara Moura Leotti, cinco anos.
– Depois daquela aula, eu me soltei. Na adolescência, tínhamos que manter o padrão, eram todas as meninas de cabelo liso. Quando tu cria a tua identidade, se aceita e se gosta, as pessoas passam a te perceber. Quando tu segue um padrão, ninguém te vê – ensina.
Sempre que começa o Jornal Nacional, a pequena Eva Tainara não tira o olho da jornalista Maria Júlia Coutinho, a Maju, que faz a previsão do tempo no telejornal.
– Eu queria usar as roupas da Maju, as saias, ter o cabelo dela. Às vezes eu brinco: "Boa noite, eu sou a Maju e vai ter sol e chuva em Porto Alegre" – diverte-se a menina.
Vaidosa como a mana, Gabriele se divide entre a simpatia pela profissão de advogada, "porque defende as pessoas" e a admiração pela atriz Taís Araújo, a personagem Penha, que está no ar na novela Cheias de Charme, que está reprisando na tevê.
– É importante para as crianças ter essa referência. A gente é como é e cada um tem a sua beleza – explica a mãe que cuida dos cabelos das meninas.
Aceitação a partir do exemplo
Quando Raíssa Santana foi eleita a mulher mais bonita do Brasil, as irmãs Sara Beatriz, sete anos, e Ana Luiza, nove anos, vibraram diante da tevê, ao lado da mãe Edilaine Rosângela Oliveira, 36 anos.
– A Sara vê as negras na tevê e adora. Diz que vai ser a Globeleza, ficou encantada com a Miss Brasil – conta a mãe, é coordenadora de salão em cafeterias.
Espevitada, a pequena Sara adora dançar. E o repertório musical da menina é eclético:
– Eu gosto de dançar funk, pagode. Quero ser a Ludimilla! – esclarece.
Para a mãe, as crianças estão se aceitando mais porque têm em quem se espelhar. Além de artistas e jogadores famosos, as meninas têm referências positivas na própria família, de mulheres negras determinadas e bem-sucedidas.
– Nós somos negros, é a nossa raça e a gente é bonito assim – afirma Edilaine, que recorda entre as próprias referências a jornalista Glória Maria, as atrizes Neuza Borges, Isabel Fillardis, Taís Araújo.
Na infância, Edilaine conta que, em suas brincadeiras, costumava colocar um pano na cabeça, para fingir que eram os cabelos longos e lisos.
– Era o perfil da época. Hoje, as meninas querem o black. Também já fiz muita trança nelas – diz a mãe.
Menos expansiva que a irmã, Ana Luiza chama atenção pelo gosto pelo futebol. O primo Rafael Almeida Lima, sete anos, com quem ela costuma jogar no pátio de casa no Bairro Santa Cecília, em Viamão, diz que a menina joga bem, "mas faz umas faltinhas". E é Neymar a referência dela.
"Vou apoiar aquilo que ele quiser ser"
Para a auxiliar administrativa Lisandra Viana Macedo, 36 anos, do Bairro Humaitá, foi depois da eleição de Barack Obama, cujo governo está chegando ao fim, que os negros passaram a ter mais destaque. No entanto, ela não acha fundamental que o filho Igor Macedo Alves, oito anos, precise espelhar-se em algum negro famoso.
– Eu prefiro que ele tenha a personalidade dele. Gostar de um artista, ser fã, tudo bem, até porque eles se esforçaram para estar ali. Mas acho importante ele estudar. Vou apoiar aquilo que ele quiser ser, mas sem influenciar – explica.
Há um ano, Igor tinha o jogador Neymar Jr., do Barcelona, como inspiração para o visual – e também porque é apaixonado por futebol, sempre que pode está jogando bola. A mãe, no entanto, avaliou que não seria fácil alisar o cabelo do menino. Depois, teve um momento em que Igor queria pintar o cabelo de loiro, ou ainda manter black power. Prevaleceu o cabelo raspado, mas cheio de estilo.
– Sempre procuro fazer uma coisinha diferente no cabelo dele, esses desenhos com navalha – explica a mãe, citando que o garoto também gosta de lutadores de WWE.
O primo Vitor, seis anos, que também ama futebol, se inspira no xará, o jogador Vitinho do Inter e também aprecia a atuação do goleiro do clube.
Já a mana dele, Luísa Reis, oito anos, se espelha em outro tipo de personalidade, encontrada no Youtube: a menina de oito anos que dá nome ao canal Bel para Meninas, que tem mais de 48 milhões de visualizações por mês. Fisicamente, Bel e Luísa não se parecem. Mas a youtuber motivou a menina a pensar em produzir os próprios vídeos, num canal que já tem até nome: Lu Reis.
– A Luísa não está preocupada com o visual, está envolvida com o mundo dela, os vídeos, os livros – resume a mãe Ana Cristina Caetano Reis, 42 anos.