Prestes a completar um ano na vida dos brasileiros, o eSocial doméstico, que unifica os pagamentos da folha salarial dos empregados em um único sistema, ainda traz inseguranças quanto ao cálculo e dificuldades de usabilidade. Para especialistas, as atualizações a conta-gotas mostram que o sistema não está pronto. O governo reconhece que a implementação foi tumultuada, mas avalia que agora ele está perto do ideal.
A última atualização feita pela Receita Federal trouxe uma mudança importante ao automatizar a rescisão contratual, que até então exigia cálculo manual de verbas indenizatórias, férias proporcionais e 13º salário.
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Contudo, ainda sobra muita matemática para solucionar casos mais específicos, como as verbas variáveis de cada mês (horas extras, adicional noturno, desconto de faltas e multa por atraso no pagamento).
– O eSocial consegue atender sem necessidade de cálculos manuais algo em torno de 98% dos empregadores – afirma José Alberto Maia, auditor fiscal do Ministério do Trabalho e representante da Pasta nas questões sobre o eSocial.
Nem aqueles que estão mais familiarizados ao universo trabalhista escapam de cometer erros.
– Mesmo acostumada a fazer isso, cometi um erro ao gerar a rescisão da minha empregada porque são duas guias, uma de pagamento do mês e outra da rescisão. Fui perceber só quando fiz de uma cliente e notei a diferença. Tive que voltar, calcular e pagar a multa – conta a advogada Andrea Burchales, do Salusse Marangoni.
Da parte dos empregados, a queixa é a falta de integração e comunicação entre a Caixa, a Receita e o INSS. O resultado é que, na hora de recolher o FGTS, há relatos de que o dinheiro não consta no sistema.
Tentando decifrar todas as etapas, muitos recorrem a empresas especializadas.
– O empregador pode ser de pipoqueiro a PhD, mas não está acostumado com esse tipo de cálculo e burocracia – diz Mário Avelino, da Doméstica Legal.
Avelino conta que, principalmente no início do programa, viu muita gente optar por demitir os funcionários e contratar diaristas para não encarar as instabilidades e erro de cálculos do programa.
Clóvis Belbute Peres, chefe da divisão de escrituração digital e representante da Receita no eSocial, diz que a origem da complexidade está muito mais na legislação do que no novo sistema.
– Sair da situação de quase informalidade para uma situação onde a pessoa tem de cumprir a lei trabalhista na sua íntegra é uma mudança muito grande de cultura – diz.
Dentre as questões culturais, do lado dos empregados, muitos ainda estão pesando vantagens e desvantagens. A empregada doméstica Cristiane Lima foi cadastrada no serviço e recebe todo mês uma confirmação do depósito do FGTS e o saldo. Entretanto, ela não vê o lado positivo:
– Apesar de estar mais segura, antes eu tinha mais flexibilidade.
Para Dilma Rodrigues, diretora da Attend Consultoria Contábil, o empregador terá de começar a ser mais independente:
– Não tem mais como ter recibo no Word.
Marco Aurélio, presidente do sindicato dos empregados doméstico de Brasília, diz que a resistência ao sistema pode gerar brigas na Justiça, porque o empregado doméstico não vê espaço para exigir que o patrão faça o cadastro e vê como única saída o processo trabalhista.
– Tem muito empregador que é mais idoso e realmente não sabe operar – conta.
*Estadão Conteúdo