A multidão que tomou as vielas e os piquetes do Acampamento Farroupilha no domingo de tempo bom representou farto material de pesquisa a um europeu estudioso das festividades populares sul-americanas.
Com o objetivo de escrever um artigo acadêmico, Ángel Espina Barrio, 56 anos, professor de Antropologia Social na Universidade de Salamanca, na Espanha, circulou pelo Parque da Harmonia, na Capital, para observar uma das mais tradicionais celebrações do Rio Grande do Sul.
Ciceroneado pelo porto-alegrense Antônio Augusto Bonatto Barcellos, de quem é orientador no curso de doutorado da instituição espanhola, Barrio colocou em prática o método da observação participante: ficou atento ao cenário e aos detalhes, tirando fotos e tomando notas, e também interagiu com as pessoas. O objetivo inicial era dar uma volta e ter uma ideia geral do evento, para depois visitar alguns piquetes, mas a alardeada hospitalidade do gaúcho logo se manifestou, alterando o roteiro.
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Gabriel Ribeiro, policial militar aposentado de 58 anos, percebeu o olhar curioso da dupla diante do piquete do CTG Guardiões do Rio Grande e ergueu um espeto fumegante, convidando os visitantes a tirar fotos. Ao entrar, o pesquisador recebeu um copo de cerveja e uma explicação detalhada sobre o assado de ovelha.
– Isso é o que chamam de "janela". É a costela inteira do bicho! – disse Ribeiro.
O anfitrião, com mais de 20 anos de experiência varando os meses de setembro hospedado no parque, passou a faca na carne e ofereceu uma lasca ao convidado:
– É tão macia que até "véio" sem dente come!
Barrio foi então conduzido à cozinha para ver o conteúdo das panelas: carreteiro, charque, aipim, "só coisa light", gracejou a cozinheira. Antes de sair e dar prosseguimento ao passeio, o professor experimentou um chapéu típico da indumentária gaudéria, inspecionou uma cuia – provado antes, o chimarrão não agradou – e posou para fotos com o grupo que se preparava para almoçar.
– Aqui é muito fácil fazer trabalho de campo – comentou o espanhol, satisfeito.
Entre os elementos que mais lhe chamaram a atenção, o estrangeiro citou a aparentemente trabalhosa construção dos galpões de madeira e a parcela numerosa de homens trajando bombacha e lenço no pescoço. As placas com os nomes dos piquetes, muitas delas adornadas com ossadas de cabeça de boi, provocaram estranheza.
– Rancho Manotaço – leu o turista em voz alta. – Por que Manotaço? Quero saber.
Nativo de um país mais afeito ao porco, Barrio, fugindo das nuvens mais espessas de fumaça que emanavam das churrasqueiras, ficou admirado com a abundância de cortes de gado e brincou: o que pensariam os indianos, que consideram a vaca um animal sagrado, naquele lugar?
– Para um hindu, isso aqui é um inferno, uma feira de pecado!
O pesquisador estima em cerca de 20 as viagens que já realizou ao Brasil. Está pela quarta vez no Rio Grande do Sul. Em passagens anteriores, produziu textos sobre o Carnaval e celebrações religiosas, como a encenação da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, no interior de Pernambuco. Ao publicar um trabalho sobre o que acontece na cidade provisória que se ergue todos os anos nas proximidades do Guaíba, Barrio pretende divulgar a cultura sul-rio-grandense na Espanha, onde o interesse é maior pela Argentina e pelo Uruguai.
– É uma festa identitária. Quero conhecer o ciclo da festa, os símbolos, os costumes, as significações – afirmou o professor, comunicando-se em uma mistura de português e espanhol. – Hoje, na área do turismo, já se conhece mais de Santa Catarina. Talvez se consiga divulgar mais o Rio Grande do Sul também. Essas festas mostram o país de forma orgulhosa e com alegria – completou.