Dono de uma longa barba branca, que se une em uma coisa só aos igualmente compridos e alvos cabelos, Anselm Grün é uma figura pop. O sucesso do monge beneditino alemão, autor de mais de 300 livros – com 2,5 milhões de cópias vendidas somente no Brasil –, está em sua capacidade de fazer dialogar os milenares ensinamentos cristãos com os anseios espirituais do homem moderno.
A extensa obra tem temática variada: falta de tempo, necessidade do silêncio, poder da reconciliação, liderança nos negócios, liberdade e conflitos interiores. E a abordagem é sempre a mesma: parte da espiritualidade cristã, buscando apoio em ensinamentos da filosofia budista e da psicanálise de Carl Jung. Por este passeio em outras correntes, Grün é visto como um herege por setores mais conservadores da Igreja Católica, que o acusam de flertar com a autoajuda.
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O alemão de 71 anos está convicto de que é preciso manter o vínculo com a contemporaneidade. Portanto, acredita que a homossexualidade não pode ser vista pela Igreja como um pecado, defende que o celibato não deveria ser obrigatório para ingresso no sacerdócio e não vê problema em falar de paixões e desejos (não experienciados) – são sentimentos que o ajudaram a se transformar em um homem melhor.
Grün comanda a área financeira da Abadia de Münterschwarzach, na Alemanha, convento onde vive desde que completou 19 anos. Já são cinco décadas de dedicação – tempo bastante para refletir sobre o caminho que seguiu e também encher-se de dúvidas. Mas ele não se arrepende. Este é mais um dos conselhos impressos em seus livros, traduzidos para mais de 30 idiomas: é preciso renovar diariamente o compromisso com as escolhas tomadas.
Na segunda-feira, o monge desembarca em Porto Alegre. A reconciliação espiritual será o tema de sua palestra no 3º Simpósio de Espiritualidade e Saúde – Reconciliação e Paz, promovido pela Santa Casa e realizado na PUCRS.
Ele conversou por e-mail com ZH. Confira:
O senhor é autor de mais de 300 obras sobre espiritualidade, traduzidas para 30 idiomas. No Brasil, já vendeu mais de 2,5 milhões de livros. Como explica esse grande sucesso?
Sou grato pela popularidade dos meus livros. Creio que a razão seja um anseio profundo por uma espiritualidade cristã saudável. E eu simplesmente escrevo, não moralizo. Desejo transmitir aos leitores que eu acredito neles e que eu os amo.
Vivemos em tempos em que a velocidade está impregnada em tudo o que fazemos, levando-nos a uma rotina marcada pelo estresse e pelos processos automatizados. Como encontrar o equilíbrio interno e ter uma vida mais leve?
Nós precisamos encontrar o acesso ao espaço de silêncio que temos dentro de nós. Ali, a correria do mundo perde seu poder sobre nós. Podemos retirar-nos sempre para esse lugar de refúgio.
O senhor fala sobre o poder do silêncio e da meditação como um caminho para se ligar a Deus. Qual é o seu entendimento sobre Deus?
A primeira epístola de São João nos diz que Deus é amor. O amor de Deus impregna toda a criação. E o amor de Deus é também a fonte interna da qual bebemos. Mas Deus não é apenas amor, ele é também um "tu", um interlocutor, que podemos conhecer. E quando conhecemos Deus, conhecemos nossa própria verdade. Isso nos faz bem e nos liberta.
Seus livros abordam os limites de cada um, a busca pela felicidade, nossos anseios. Quais são hoje, ao seu ver, nossas principais angústias?
O maior anseio é que a vida seja bem-sucedida e que nós nos experimentemos como seres amados e preciosos. O maior medo é o de fracassar na vida, de perder a vida e de permanecer a sós com seu desejo de ser amado.
Em um dos seus livros, o senhor traz 50 rituais para a vida. Que práticas diárias o senhor considera as mais importantes?
É importante começar o dia com um bom ritual. Um bom ritual seria o da bênção. Que deixemos a bênção fluir para todas as pessoas que encontraremos durante o dia e com as quais vivemos e trabalhamos. À noite, é importante devolver o dia a Deus através de um ritual. Muitos usam a noite para refletir sobre tudo aquilo que não correu muito bem. E assim não conseguem se desprender do dia. É preciso oferecer a Deus o dia da forma como ele foi. E confiar que Deus abençoa tudo que foi e transforma aquilo em bênção.
O senhor já disse que a tristeza é inerente ao homem. Muitos consideram a depressão o grande mal dos tempos modernos. Como o senhor difere a tristeza da depressão?
A tristeza faz parte do homem. E ela é diferente da depressão. Muitos acreditam que têm de estar o tempo todo cheios de alegria. Esta é uma visão pouco realista. Porque só podem ser felizes aqueles que se permitem também ser tristes. A depressão sempre tem um significado. É importante saber olhar para ela e conversar com ela para entender o que ela tem a dizer. Quando se fala abertamente sobre a própria depressão, ela perde o poder sobre a gente.
Qual o papel da fé no caminho da felicidade?
A fé nos liberta da compulsão por sermos sempre felizes. E a fé em Deus nos presenteia sempre com a experiência de uma felicidade não merecida.
O senhor fala que saber "aproveitar e deixar" (Gemeiem und Lassem) é um dos grandes segredos da vida.
Desfrutar de algo e abrir mão de algo andam juntos. Aqueles que não renunciam também não conseguem desfrutar. Mas existem também pessoas que se concentram tanto na ascese (penitência, renúncia do prazer) que chegam a negar a vida.
O senhor vem a Porto Alegre para palestrar em um evento sobre Espiritualidade e Saúde. Qual a relação entre a fé e a ciência?
Fé e ciência são duas perspectivas, dois modos diferentes de ver a realidade. Mas ambas tratam da mesma realidade. Esses modos diferentes não deveriam ser contraditórios. A fé precisa da razão. E a ciência deveria estar aberta para o mistério, que transcende o nosso conhecimento racional.
O tema da sua palestra será a "reconciliação". Qual a importância desta palavra hoje?
A reconciliação é decisiva para uma vida bem-sucedida. Isso vale para a vida na família, na empresa, num país, no mundo inteiro. E a reconciliação com a nossa própria história é um requisito para que se tenha uma vida bem-sucedida.
Como o senhor vê a relação dos jovens com a fé?
Os jovens se mostram abertos ao autoconhecimento. E quando têm o desejo sincero de conhecerem a si mesmos, acabam perguntando também pelo fundamento de seu ser. E então deparam com Deus. Mas eles são céticos em relação às tentativas de fixar Deus como uma imagem excessivamente concreta.
Setores da Igreja Católica já criticaram o senhor por considerarem suas obras uma tentativa de reduzir o Evangelho a livros de autoajuda e mesclar a espiritualidade com a psicologia. O que o senhor acha disso?
Meus livros correspondem à sã tradição católica. Mas toda teologia precisa sempre dialogar com seu respectivo tempo. Eu tento aproximar as pessoas da sabedoria terapêutica de Jesus. Isso nada tem a ver com esoterismo. A tradição teológica ressalta a salvação por meio de Jesus Cristo. Mas ela diz também que nós precisamos nos abrir para a ação salvadora e curadora de Jesus.
Em seus livros, o senhor sinaliza a necessidade de cada um ser fiel à sua própria consciência, que este seria o caminho para a salvação. Isso não fere os preceitos da Igreja Católica?
A Igreja Católica ensina que a consciência é a norma suprema do ser humano, superior às prescrições da Igreja.
A busca pela espiritualidade saudável é um dos aspectos centrais de sua obra. Como avalia as atuais tendências ao fanatismo religioso?
O fanatismo religioso é sempre marcado pelo medo. Cada um de nós tem dentro de si tanto fé quanto descrença. Quando eu reprimo minha descrença, passo a manifestá-la externamente, combatendo aqueles de fé diferente. Quando acolho a minha descrença, ela enriquece minha fé.
A Igreja Católica não está livre de correntes intolerantes. Em 2008, o senhor disse à revista alemã Cafebabel que a homossexualidade não deveria ser vista como um pecado.
O papa Francisco rompeu com a postura excessivamente rígida da igreja em relação à homossexualidade e prega a misericórdia. Acato a postura do Papa. A homossexualidade é uma predisposição de determinadas pessoas. Não podemos julgá-las. A pergunta é: como a pessoa com predisposição homossexual deve lidar com isso?
O senhor também defende que padres possam casar. Quais seriam os benefícios para a Igreja?
O celibato é uma tradição, mas não é um dogma da Igreja. Creio que seria bom se ambas as formas de existência sacerdotal fossem possíveis: o celibato e o padre casado. Isso reduziria a falta de padres e resultaria em sinceridade e honestidade maiores.
O senhor mora desde os 19 anos em um convento. Houve momentos em que sentiu arrependimento pela vida que escolheu?
Houve crises. Mas nunca me arrependi de ter decidido ingressar no monastério e de ter optado pela vida monástica. Preciso renovar constantemente a decisão que tomei no passado.
Durante todo este tempo de sacerdócio, o senhor se apaixonou pelo menos duas vezes, conforme seu biógrafo, Freddy Derwahl: primeiro, por uma freira, logo que entrou no convento, depois, aos 50, por uma mulher 10 anos mais jovem. O senhor acredita que todos se apaixonam e não vê problema em falar sobre pensamentos eróticos. Mas como o senhor, na condição de monge, lida com esses desejos?
Quando me apaixonei, descobri dentro de mim a minha capacidade de amar. E a paixão me revelou novos aspectos da minha alma. Não falo de viver a paixão em uma relação amorosa, mas de incorporar a mim mesmo aquilo que me fascinou em uma mulher.
Um casamento é construído sobre um sentimento absoluto e eterno, o qual o senhor considera impossível, uma vez que as emoções humanas são mutáveis e nenhum parceiro pode satisfazer todos os nossos anseios. Esta sua visão sobre o amor é um pouco pessimista, não? Como é possível manter um relacionamento?O amor tem sempre dois lados: ele satisfaz os nossos desejos e também nos decepciona. Essas duas experiências nos abrem para o amor de Deus, que jamais nos decepciona. O amor humano e o amor divino andam juntos. Quando sei que o amor humano me remete ao amor divino, eu consigo desfrutar e me deleitar no amor humano sem sobrecarregar a outra pessoa com expectativas exageradas.