Suzana nunca viu as cores, Jaqueline parou de enxergá-las aos 19 anos. Ambas têm de contar com a ajuda da descrição de outras pessoas para comprar suas próprias roupas – e ainda decorar quais combinações fazer. Cadeirante, Claudir enfrenta outro problema: precisa que as peças sejam fáceis de vestir.
Quando a moda não pensa nas necessidades deles, acaba sendo mais uma forma de exclusão. Por isso, um grupo de alunas do curso de Design de Moda da Univates, no Vale do Taquari, resolveu produzir uma coleção inspirada nos sonhos de 16 pessoas com deficiência. As peças criadas exclusivamente para crianças, adolescentes, jovens e adultos com deficiências física ou intelectual serão mostradas ao público em um desfile nesta segunda-feira, em que eles atuarão como modelos. Alguns estarão pela primeira vez na vida em uma passarela.
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Os looks foram desenvolvidos a partir de conversas entre as estudantes e os participantes. Cada um tinha de descrever sonhos, gostos e necessidades para servir de inspiração às estilistas. O resultado foi uma coleção que pretende alertar o mercado para a urgência da expansão de uma moda mais inclusiva.
Apesar de nunca ter enxergado, a pedagoga Suzana das Graças Amaro, 31 anos, sabe que o verde lhe cai bem. Com pele morena e cabelos castanho-escuros, costuma ouvir elogios quando veste algo da cor. Pediu, então, à acadêmica de Moda Larissa Trintin Pereira, 24 anos, que criasse um vestido de festa com um tom esverdeado.
O escolhido foi o verde água, que Larissa crê traduzir a personalidade calma da modelo. O tecido usado na peça tem uma estampa possível de ser identificada pelo toque, por ser impressa em relevo, lembrando pequenas folhas soltas.
– Achei a textura bem interessante, é uma forma de inclusão. Quando a Larissa me ligou pedindo se eu poderia provar o vestido, fiquei naquela expectativa de saber como ficou. Acho que ficou bonito, é bem o que eu esperava – disse Suzana, depois de tocar o longo, estilo sereia.
Quando passou as mãos pela primeira vez no look que desfilará na passarela, na sexta-feira passada, Jaqueline Severo de Melo, 28 anos, elogiou a mistura de texturas. A aluna Keli Daiane Weber, 22 anos, usou diferentes tecidos na confecção de três peças, para que a modelo sentisse pelo toque a diferença entre as partes opacas e com brilho. Inspirada no estilo musical favorito de Jaqueline, o rock, Keli criou uma legging preta com ilhós nas laterais, uma blusa que mistura um tecido preto opaco com um veludo molhado cinza e um colete brilhoso, também preto.
– Quando eu enxergava, costumava escolher roupas escuras, por achar que caíam melhor – explicou Jaqueline, que perdeu a visão aos 19 anos por causa do glaucoma.
Com 39 anos, Claudir Luis Cetolin é cadeirante há 20, quando foi vítima de um atropelamento. Após o acidente, passou a escolher roupas mais fáceis de vestir e priorizar o conforto.
– Pedi uma roupa estilo esportivo, porque gosto de andar de abrigo, moletom e boné – relatou.
Personagens inspiram looks das crianças
Enquanto os adultos pediram roupas que tivessem relação com seus estilos, algumas crianças quiseram que as estilistas as retratassem como personagens de animações. Emanuele Castro, seis anos, que teve paralisia cerebral, Eduarda Hach, cinco anos, e Sitandra Vargas, oito, ambas com deficiência física, desfilarão modelos inspirados em Frozen. Fã do personagem Ash e do pokémon Pikachu, Everton Borges, oito anos, que também teve paralisia cerebral, entrará na passarela com um look inspirado no desenho de que mais gosta.
O desfile é iniciativa da empresa Mercur, de Santa Cruz do Sul, em parceria com a Univates. A professora responsável pelo projeto, Claudia Foletto, explica que as acadêmicas trabalharam diversas deficiências na disciplina de ergonomia aplicada ao design de moda antes de produzir as peças.
– Como a moda expressa o comportamento das pessoas, tem de fazer com que elas se sintam incluídas – relatou.
Desde 2008, um desfile semelhante é realizado anualmente pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo. A mostra de peças é resultado do Concurso Moda Inclusiva. Gabriela Sanches, uma das organizadoras, afirma que alguns looks são capazes de reduzir em 50% o tempo que as pessoas gastam para se vestir. Usar velcro ou imã em vez de botões e zíper, por exemplo, ajuda quem tem problemas nos braços ou nas pernas.
– A moda inclusiva visa a dar o máximo de autonomia para cada deficiência, buscando soluções mais tecnológicas e incentivando novas marcas – explica.
Suzana e Jaqueline, as modelos com deficiência visual que desfilarão hoje, sonham com o dia em que as peças terão etiquetas em braile. Esperam que o mercado da moda perceba que elas também querem seguir suas tendências.
Desfile de Moda Inclusiva
Nesta segunda-feira, às 19h, no Teatro do Centro Integrado da Univates (Av. Avelino Talini, 171, em Lajeado)