Referência mundial em estudos sobre os impactos das tecnologias no nosso comportamento, a psicóloga americana Sherry Turkle sempre foi vista como uma entusiasta da modernidade. Professora do Massachusetts Institut of Technology (MIT) e há mais de 30 anos debruçada sobre o tema, ela surpreendeu os pesquisadores no seu último livro, lançado no fim do ano passado.
Em Reclaiming Conversation: The Power of Talk in a Digital Age (Retomada da conversa: o poder da fala na era digital, em tradução livre), Sherry defende a presença quase onipresente do celular no nosso dia a dia nos deixa mais intolerantes, egoístas e cada vez com mais dificuldade de desenvolver empatia.
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Nesta entrevista concedida por e-mail para Zero Hora, a psicóloga defende que, para construirmos relacionamentos saudáveis, precisamos ficar sozinhos. No entanto, o celular impede isso: ele nos dá a sensação de estarmos sempre conectados e de que podemos falar qualquer coisa na hora em que quisermos. A longo prazo, diz ela, falamos tanto que perdemos o interesse em escutar o outro. Confira alguns trechos a seguir.
Por que ficamos tão seduzidos por tecnologias como Facebook, Instagram e afins?
Como se fossem gênios da lâmpada benevolentes, essas plataformas nos dão quatro promessas: 1) nunca ficaremos sozinhos; 2) sempre seremos ouvidos; 3) conseguimos nos focar onde quisermos; 4) nunca ficaremos entendiados. Mas, assim como nas promessas de contos de fadas, elas vêm com um preço a ser pago. Se nunca ficamos sozinhos, não desenvolvemos a capacidade de solidão, o que dificulta nossa habilidade de construir relacionamentos. A capacidade de se entendiar é um dos sinais do desenvolvimento da infância. É assim que nossos cérebros descansam e entram em um senso estável de identidade: uma espécie de modo padrão. Se nos acostumamos a sempre sermos ouvidos, esquecemos que também podemos ouvir. Finalmente, se focamos nossa atenção onde quisermos que ela esteja, paramos de prestar atenção em onde estamos. Porque sempre podemos estar em outro lugar.
A senhora defende que a interação mediada pela tecnologia está substituindo a interação presencial, o que diminuiria nossa empatia. Qual é a relação?
Há uma relação entre prestar atenção em nós mesmos e prestar atenção em outra pessoa. Quando somos interrompidos diversas vezes por dia pelo telefone e nos acostumamos a encarar a vida com uma série de interrupções, passamos a temer o tempo em que ficamos sozinhos. Temos dificuldade em manter o foco em nós mesmos e, como consequência, perdemos a capacidade de focar no outro. Se você está sempre buscando estímulos exteriores e vê a vida como um feed contínuo, perde as bases da sua própria identidade.
A senhora vê as mídias sociais como ferramentas neutras ou como ferramentas que mudam a forma como nos relacionamos? Em outras palavras, mídias sociais potencializam comportamentos ou os afetam?
Todas as mídias são tecnologias que afetam nossa intimidade, no sentido de que nos transformam profundamente. Não acredito que haja uma grande diferença entre potencializar um comportamento ou afetá-lo. Mídias sociais podem trazer diferentes aspectos do comportamento humano e nos influenciar para uma ou outra direção. Elas nos colocam em um lugar no qual editamos ou filtramos a vida.
Por que ficamos felizes quando ganhamos um like de alguém? É realmente possível que estejamos ficando viciados neles?
Somos criaturas sociais. Queremos agradar e ser socialmente reconhecidos. É por isso que é tão fácil entrar nessa cultura de mercado de aprovação online. Não acho que seja necessário usar o termo "vício" para explicar o que está acontecendo. Na internet, encontramos uma forma simples, rápida e relativamente "barata" de achar a aprovação dos outros. E certamente começamos a almejar mais esse tipo de reconhecimento. Hoje, publicamos mais um tipo de conteúdo que sabemos que vai gerar likes. Nesse sentido, nossa forma de se expressar muda e se transforma em padrões que podem agradar o público. Acho que esse é o principal problema. Isso gera algumas questões: o que dizemos online e até mesmo o que pensamos está entrando em padrões que sabemos que vai agradar as pessoas? O que isso pode causar à nossa criatividade? As mídias sociais definitivamente nos colocaram em um círculo vicioso de busca de aprovação. Mas, com sabedoria, acredito que conseguimos quebrar esse ciclo.