Além de todos os requisitos de uma boa mãe, o papel que Greice de Lima tanto sonhou em exercer na adolescência exige pique e uma disposição que nem imaginava ter. Aos 31 anos, ela enfrenta uma maratona por dia. Com uma filha tetraplégica, acorda diariamente com o desafio de cuidar de Ana Luisa, dez anos, em tempo integral, tendo que dividir atenção e carinho com os outros dois filhos, Maurício, 14 anos, e Manoela, seis anos. Na quinta-feira, o Diário Gaúcho acompanhou momentos desse desafio para contar no Dia das Mães.
A única filha planejada, Ana Luisa, dez anos, sofreu paralisia cerebral após complicações no parto e modificou completamente a rotina da mãe. Greice deixou para trás os planos de ser técnica em enfermagem e de seguir os passos da mãe, Maria Terezinha, 58 anos. Fez curso de manicure e tentou vender bolos, mas a correria a impediu de prosperar em ambas as atividades. O sonho de Greice acabou virando uma profissão inesperada: a de ser mãe.
Hoje, ela vive com os três filhos, a mãe e o companheiro, Francisco, 34 anos, no Bairro Itaú, em Eldorado do Sul. Greice não paraDo momento que sai da cama até a noite, Greice não para. O filho mais velho estuda pela manhã, enquanto ela fica com as meninas. Às 10h, enquanto dá iogurte para Ana Luisa no café, observa se Manuela está comendo a maçã e espia o relógio.
Não são nem 11h e ela começa a preparar o almoço, ao mesmo tempo em que arruma as meninas para ir à aula, no turno da tarde. Ana entende tudo que a mãe fala. Greice caminha de um lado para o outro, conversa com as filhas e agiliza a saída delas para a aula. Ajeita o cabelo de Ana, confere a merenda de Manu e sai ao meio-dia em direção à parada de ônibus. Aí, começa a maratona para levar as gurias, cada uma para sua escola, em Porto Alegre.
Mesmo com o primeiro ônibus lotado, as três fazem o trajeto sorrindo. Descem na Avenida Farrapos, embarcam para a linha T2A até o Centro de Reabilitação Para Lesionados Cerebrais (Cerepal), na Zona Norte. A aula de Ana se inicia às 13h. Finalmente, Greice consegue almoçar, no Clube de Mães do Cerepal. Come em menos de dez minutos para não perder a hora de deixar Manoela na Escola Estadual Gonçalves Dias, a pouco menos de um 1km dali. Às 13h30min, deixa Manoela na escola e depois retorna ao Cerepal onde passa a tarde envolvida em atividades do Clube de Mães. No fim da tarde, ganha carona do companheiro para retornar para casa e, só então, reencontrar o filho mais velho.
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Coração sempre dividido
Pela disposição com a qual encara seu papel de mãe, Greice parece que foi talhada para o desafio que a vida lhe impôs:
– É raro eu estar sem nenhum filho por perto. Eu já nem sei se consigo ficar sem eles. Se eu fico por uma tarde, já me sinto sozinha.
A condição de Ana Luisa fez Greice criar os outros dois filhos com independência. Mesmo assim, ela não está livre dos conflitos.
– Eu digo para eles que sou os braços e as pernas da mana. Eles me compreendem, mas, às vezes, a Manoela tem ciúme, quer ter a mesma atenção. Não quero que eles pensem que eu amo mais a Ana. Sei que, quando eles tiverem seus filhos, vão me entender – diz a mãe, emocionada.
Para Greice, o Dia das Mães é um momento de olhar para si e avaliar o que precisa ser mudado e o pode ser mantido. Ela não esconde que vive com o coração dividido, tentando equilibrar tempo também com Maurício e Manuela, o que nem sempre consegue:
– Não é tudo maravilhoso. Tem muitos altos e baixos quando se tem um filho especial. Às vezes, a gente acaba sacrificando um pouco os outros filhos, em prol de um.
"Não perco meu tempo"
Greice tira de letra uma rotina tão movimentada porque não se vitimiza. Pelo contrário: tem orgulho de conseguir dar conta de tudo, apesar de todas as dificuldades:
– Minha vida é normal, como a de qualquer outra pessoa. Os nossos problemas, perto de muitos outros, são muito pequenos. No convívio com outras mães, a gente aprende muito. A gente aprende a ver o mundo melhor.
Ter aberto mão da própria rotina em função da filha compensa, garante Greice. Seja no rostinho de Ana, que está sempre sempre sorrindo, ou na alegria da pequena Manu, que é muito companheira da mana.
– A Ana me ensinou a ter paciência, me deu tranquilidade. Aprendi a olhar o ser humano de forma diferente. Embora a evolução seja muito pouca, eu não perco meu tempo, eu ganho meu tempo com isso. Eu não posso desistir – afirma.
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É no Clube de Mães do Cerepal, onde é tesoureira, que Greice se distrai na organização de eventos. Faz parte de duas ongs e divide experiências com mães na mesma situação que a sua. No Cerepal, Ana tem aula e faz terapia ocupacional, fisioterapia, hidroginástica e fonoaudiologia. Cada evolução da filha é uma festa para a mãe:
– Os avanços da Ana, por menores que sejam, seja a mão fazendo algo que não era de costume, são vitoriosos.
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