Mamíferos de fofura incontestável bebendo leite de vaca já foram febre nacional e, nos anos 1990, viraram bibelô em milhares de casas Brasil afora. Mas, seja na tela da TV ou nas prateleiras do supermercado, esses e outros mascotes publicitários utilizados para vender leite e similares estão prestes a virar coisa do passado.
Quem determinou o fim da brincadeira foi a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Publicado em novembro, um decreto prevê que, em 12 meses, "fotos, desenhos ou representações gráficas não necessárias para ilustrar métodos de preparação ou de uso do produto" sejam banidas das embalagens de fórmulas infantis, leites fluidos ou em pó, leites modificados (elaborados a partir de leite "in natura" ou leite em pó integral) e similares de origem vegetal (como o leite de soja).
O principal alvo são os produtos destinados a crianças em fase de amamentação, mas a nova norma estende a restrição a produtos consumidos por gente todas as faixas etárias – como o leite. A justificativa da Anvisa é que a utilização desse tipo de imagem nos rótulos estimularia o consumo de outros tipos de leite em detrimento do materno por bebês e crianças de até três anos. Apesar da boa intenção, a iniciativa já é alvo de polêmica.
Se a importância do leite materno no desenvolvimento é unanimidade entre especialistas, ainda há dúvidas se o decreto da Anvisa é uma maneira eficaz para estimular o bom hábito.
– Eu acho que esse tipo de medida é secundária. O desestímulo à amamentação está menos no apelo comercial do que em outras questões, muitas vezes culturais. Pode existir uma parcela das mães que se sinta atraída pela lata da fórmula, ou veja nisso um certo status social. A medida, talvez, ajude nisso. Mas acho que terá baixo impacto – opina Marcelo Pavese Porto, vice-presidente da Sociedade de Pediatria do RS.
Especialista em nutrição infantil, a nutricionista Magali Martins também acha que é preciso buscar outras maneiras de promover o aleitamento materno. Ela acredita que a preocupação com a publicidade destinada à crianças – como a do leite – é pertinente, mas que o que determina a compra das fórmulas infantis, em primeiro lugar, é a orientação de um profissional.
– O que mais vai importar para uma mãe, se ela precisar fazer uso desse produto, será a opinião do pediatra. Acho que deveria haver uma preocupação em fazer campanhas que mostrem os benefícios do aleitamento e que acabem com o preconceito sobre amamentar em público – diz.
Do ponto de vista da publicidade, porém, a interpretação é um pouco diferente. Professora de marketing e comportamento do consumidor da ESPM-Sul, Liliane Rohde "aplaudiu a iniciativa", pois defende que as escolhas relacionadas ao consumo não são determinadas por fatores racionais. Ela acredita que rótulos de produtos com fins específicos – como as fórmulas infantis – devem focar nas qualidades intrínsecas à mercadoria.
– Qualquer decisão que tomamos tem um apelo emocional. No momento em que a mulher está vulnerável, como no caso da maternidade, aquele personagem fofinho do rótulo mexe com o inconsciente, porque remete à posição dela, de mãe. Uma mulher sem muita informação que chega no ponto de vendas e vê isso pode achar que não faz mal trocar às vezes (o leite materno pela fórmula), já que aquele produto inspira uma ideia de cuidado – reflete.
Diante do compromisso de adaptar os produtos ainda neste ano, representantes do setor de laticínios rechaçam as alterações propostas pela Anvisa. Em nota, o Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Estado do Rio Grande do Sul (Sindilat), disse que a lei é "antiquada" e obriga as embalagens a parecerem com "medicamentos". Os produtores consideram que a medida "impõe ao leite normas muito mais rigorosas do que para outros setores". A categoria estuda ingressar com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra as novas regras.