Entre as iguarias do Litoral Norte do Estado, há uma que ainda permanece em segredo e que tem tudo a ver com o gaúcho: o cordeiro salineiro. Atestado por chefs e cozinheiros como um tipo de ovino de sabor refinado, mais suave e diferente do produzido na Região da Campanha, ele tem potencial ainda pouco explorado, algo que pode mudar a partir da valorização pela gastronomia.
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Mas qual a origem do termo "salineiro"? O batismo não é oficial, foi uma forma de produtores do litoral diferenciarem o seus animais em relação ao resto dos criadores e se unirem em torno de uma causa comum. Os cordeiros criados na faixa litorânea do Estado vivem um clima mais ameno, sem grandes picos de temperatura, alimentam-se de um pasto diferente, que nasce em solo arenoso e recebe toda a maresia e sais minerais (daí a inspiração do nome) trazidos pelo vento nordeste.
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Embora as raças sejam semelhantes às produzidas Estado afora, como a Texel, quem prova a carne desses animais garante que há uma diferença de sabor e de marmoreio (índice de gordura entremeada). O cozinheiro Marcelo Schambeck, do bistrô Del Barbieri, na Capital, descobriu a iguaria há alguns anos e até palestrou sobre ela no evento Mesa Ao Vivo Rio Grande do Sul, que reuniu os principais chefs daqui e convidados como Alex Atala, no ano passado.
- É um produto com muito potencial. Infelizmente, é uma coisa caseira, não tem exploração comercial. A sensação que dá é de que ele já é temperado, tem uma carne mais amanteigada. É um produto para entrar no mercado e ter um nível de comparação com os melhores, se diferenciar do cordeiro da Campanha. Se eu tivesse acesso, usaria muito mais o salineiro - diz.
O cozinheiro esteve na França, na região da Normandia, onde há um tipo de cordeiro nobre também criado em região litorânea e muito valorizado. Chamado de "agneau de prés salés", ou cordeiro pré-salgado, em tradução livre, é um ovino que conta com denominação de origem em dois locais: na baía de Somme e ao pé do monte Mont-Saint-Michel. O que tornou a carne francesa tão famosa foi justamente a alimentação, baseada em plantas halófitas (espécies que vivem perto do mar e com alta concentração de cloreto de sódio).
Sombra, água fresca e maresia entre os diferenciais
Seria o cordeiro do litoral gaúcho uma versão tupiniquim do famoso parente francês? A dúvida permanece, pois muito pouca gente estudou de forma aprofundada essas características. Produtores como Adelandre Linhares, o Landi, proprietário da Fazenda Pontal - Pousada e Resort, que fica na RS-407, às margens da Lagoa das Malvas, a 10 quilômetros de Capão da Canoa -, têm certeza de que os bichos contam com uma carne diferente. Ele tem uma produção pequena, entre cem e 200 cabeças, para atender o consumo do empreendimento. Aos domingos, faz o tradicional cordeiro assado inteiro, em fogo de chão, e atende visitantes interessados em experimentar a especiaria.
- Temos uma diferença de temperatura interessante em relação à Fronteira. Há uma condição diferente de umidade, estamos próximos das lagoas, há o vento. Estamos criando esses ovinos em uma duna, em cima da areia. Como há uma área grande de mata nativa, eles tem sombreamento, e água em abundância - explica Landi.
Miguel Guedes, produtor de Mostardas, que faz parte da Associação dos Produtores de Arroz do Litoral Norte Gaúcho (Aproarroz), acredita que o cordeiro poderia tomar um rumo parecido com o do arroz do Litoral Norte, o primeiro produto a receber uma Denominação de Origem (DO) no Brasil, em 2010. A classificação, realizada, pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, é dada a produtos com qualidade superior devido às características específicas de determinada região geográfica.
- Na minha opinião, as mesmas características que beneficiam o arroz têm efeito na carne das ovelhas. Mas, como os ovinos dão mais trabalho, os produtores daqui ainda optam pelos bovinos. Pode ser que um dia a gente faça esse produtos e espalhar e mais gente comece a produzir, quem sabe de forma comercial - afirma Guedes.
Embora não conheça o cordeiro salineiro, o superintendente da Associação Brasileira de Criadores de Ovinos (Arco), Edemundo Gresseler, explica que dadas as condições geográficas, climáticas e de alimentação, deve haver alteração no sabor da carne:
- Imagino que por serem criados nessa região mais próxima ao mar, isso pode ter influência na carne, em características como sabor, odor e cor. A qualidade da carne varia muito em função de manejo, tipo de grama que o animal come. No Interior, nosso cordeiro come mais pasto do que ração, acredito que um cordeiro criado nessas condições deve sofrer alteração de sabor na carne, sim.
Hoje, a produção de ovinos do Estado ainda é pequena diante da demanda crescente. A carne permanece de nicho, mas com muito valor agregado no varejo. Com maior valorização de produtos locais por parte dos cozinheiros, pode ser que o cordeiro salineiro, com o potencial que tem, ganhe a mesa dos gaúchos.