A escalada do desemprego assusta até mesmo quem nunca se apegou à estabilidade ou enfrentou dificuldade para achar trabalho. Conectados full time à internet, adeptos de MBAs e com apetite para encarar novos desafios, os jovens nascidos entre 1980 e meados da década de 1990 acostumaram-se a ser bajulados pelas empresas. Agora, estão sendo apresentados a uma realidade que só conheciam nas histórias de hiperinflação ou descalabro cambial contadas pelos pais. É a geração Y enfrentando sua primeira crise econômica.
São eles as maiores vítimas do enxugamento do mercado de trabalho, apontado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): 16,4% dos brasileiros de 18 a 24 anos não têm trabalho, contra a média geral de 6,9%.
- É uma geração que se acostumou a escolher onde trabalhar, e agora começa a perceber que terá de abrir mão de muitas exigências para encontrar uma ocupação - resume Luciana Adegas, supervisora de Recursos Humanos da Metta Capital Humano.
Com baixa exigência salarial, convencionou-se dizer que a Geração Y trazia o que as companhias precisavam para superar a concorrência: inovação, arrojo e um ar descolado para ambientes pesados. Em troca, pedia um pouco de aventura e crescimento rápido - o dinheiro ficava para depois. Até que chegou 2015 e tudo mudou.
O mercado de trabalho, efervescente desde 2010, mergulha em uma espiral de corte de vagas e estrangulamento de salários. Empregos dos sonhos dos jovens, os setores de varejo e engenharia veem os negócios no Brasil tombarem no ritmo da economia, que congelou em 2014 e ameaça queda de quase 2% neste ano.
- As empresas passaram a contratar menos, enxugar benefícios e endurecer regras como flexibilidade de horário. E há ainda a concorrência dos mais velhos, que se agarram com unhas e dentes a seus empregos. Isso está deixando alguns jovens apavorados - observa Sidnei Oliveira, consultor especialista em conflito de gerações e escritor da série de livros Geração Y (Editora Integrare).
Disputa por vagas ficou mais acirrada
A quebra de paradigma é grande. Estudante de administração, Felipe Tartarotti, 28 anos, acostumou-se a escolher de quais entrevistas de emprego participar e a selecionar apenas ofertas que trouxessem promessa de aprendizado e chance de fazer carreira. Nos últimos dois anos, percebeu que as coisas mudaram.
Os anúncios de estágio nos murais da faculdade sumiram, e as dinâmicas de grupo em seleções ficaram mais disputadas. Sem emprego desde março, quando encerrou um estágio de dois anos, Felipe retomou contatos com colegas de trabalhos anteriores e passou a buscar vagas em redes como LinkedIn e sites de emprego. Para seu alívio, mora com a mãe, que segura a barra enquanto o filho não consegue se recolocar.
- Aquela abundância de oportunidades com promessa de crescimento sumiu. E com mais gente disputando, a exigência por qualificação ficou ainda maior - resume Felipe, que, para aumentar o leque de opções, passou a estudar para concurso público.
Hora de pensar em estabilidade
Aos 32 anos, casado e pai de duas meninas, Marcel Peres tem um perfil que não se encaixa à perfeição naquele atribuído à Geração Y. Sua aspiração maior não é dar a volta ao mundo ou ter o smartphone da moda, mas dar conta da pilha de boletos que chegam a cada mês e reservar algum dinheiro para o futuro das garotas, de 10 e 12 anos.
Para mantê-las em uma das melhores escolas da capital, Marcel abdica de jantares chiques ou de um apartamento mais espaçoso, o que sempre conseguiu fazer com alguma naturalidade.
Mas a tarefa ficou mais difícil no início de julho: prestes a se formar em Gestão Comercial, foi dispensado do serviço em uma empresa de ar-condicionado. E a demora para se recolocar começa a causar calafrios.
- Trabalho com vendas desde os 14 anos e nunca vi o mercado desse jeito. Ninguém está contratando, e quem contrata paga pouco. Você vai vendo os amigos ficarem desempregados. A coisa vai ficando cada vez mais assustadora - diz ele.
Marcel mergulha na recessão da economia, mas surfou nos tempos de fartura. Até o final de 2013, recebia propostas para trocar de serviço a cada mês, e com frequência se deixava seduzir por "qualquer 300 reais a mais".
Fazer carreira não era prioridade: confiante no que viria pela frente, queria aprender ao máximo em cada trabalho e alimentar sua conta com comissões gordas.
- Agora quero parar. Se eu puder ficar bastante tempo em uma empresa e crescer, com alguma segurança, melhor - afirma ele.
Para encontrar trabalho, deixa bem claro que aceita valores abaixo do mercado. Um profissional de nível superior do setor de vendas chega a ganhar um salário básico de até R$ 5 mil.
- Mas aceito trabalhar por menos da metade para poder mostrar meu serviço e crescer em uma empresa - frisa.
Na quinta-feira passada, fechou contrato com uma empresa. Pelo menos por enquanto, a educação das meninas está garantida.
* Zero Hora