Na casa da minha infância havia uma imagem de Nossa Senhora do Bom Parto, rodeada de bebês em seus bercinhos. A ela minha mãe é grata por ter tido cinco filhos de parto natural, em casa, com a ajuda de parteiras que exerciam o ofício por intuição, com conhecimentos rudimentares de anatomia, transmitidos de geração em geração. Cortava-se o cordão umbilical com a mesma tesoura usada para cortar tecidos, sem esterilização e, na maioria das vezes, sem uma gota de álcool para descontaminar.
A fé em Nossa Senhora se justificava: era comum a mulher morrer de parto. Como eram comuns nos cemitérios do interior do Rio Grande do Sul os pequenos túmulos de crianças que pereciam ao nascer ou antes de completar um ano. Boa parte morria de uma doença conhecida como "mal dos sete dias" que, hoje se sabe, nada mais era do que infecção no umbigo. Com frequência, circulava a notícia de uma mulher que "teve uma recaída" e morreu dias depois do parto.
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Não era por opção que as mulheres tinham seus bebês em casa. Era por falta de médicos e de hospitais. Hoje, como diz uma propaganda do Sindicato Médico, não se ouve mais falar em "morreu de parto", mas é crescente o número de mulheres que pregam o "parto humanizado", como se ele só fosse possível fora do ambiente hospitalar.
Tenho dois filhos, nascidos do que eu chamaria de "cesáreas humanizadas". O primeiro, hoje com 24 anos, estava com o cordão enrolado no pescoço e, com a bolsa rompida e a perspectiva de um longo trabalho de parto, meu obstetra, Luiz Fernando Dullius, sugeriu a cesárea. Eduardo não nasceu ao som de Chopin, mas o dr. Dullius e sua equipe no Hospital Mãe de Deus me deram o que mais precisava naquele momento: a confiança de que, se alguma coisa desse errada, estaríamos em boas mãos.
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Quatro anos depois, nasceu a Luiza, em outra cesárea humanizada, dessa vez no Hospital Moinhos de Vento, com o dr. Dullius no bisturi e o pediatra Mário Galvão esperando para receber a menina de 3,945 kg, enquanto a assistente comentava uma crônica da colega Martha Medeiros.
Conto essa experiência preocupada com a glamorização do parto em casa e com a disseminação da ideia de que o ambiente hospitalar é desumano. Contribuem para esse fascínio as histórias de mulheres famosas, como a modelo Gisele Bündchen, que teve os dois filhos em casa - mas com todas as possibilidades de acesso a uma UTI neonatal, se fosse preciso. O que precisamos, especialmente no SUS, é de vagas nas maternidades e de relações mais humanas entre médicos e pacientes, e não de modismos que coloquem em risco a vida de mães e bebês.
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Artigo
Rosane de Oliveira: não precisamos de modismos que coloquem em risco a vida de mães e bebês
Texto publicado na Zero Hora de domingo
Rosane de Oliveira
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