Foi nas longas viagens nos navios com destino à América prometida que vênetos, trentinos e lombardos começaram a cultivar a ideia de italianidade como é conhecida hoje no Rio Grande do Sul. Empurrados pela pobreza - e, ainda mais, pelo medo dela -, os imigrantes passaram a se sentir parte de uma mesma identidade étnica. Na travessia do Oceano Atlântico, uma Itália passava a ser construída fora da Itália no final do século 19.
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Em meio à crise agrária que assolava a Europa, o país recém havia finalizado a unificação, em 1870. Para embarcar com destino ao Brasil há 140 anos, os antepassados de milhões de gaúchos tiveram de abandonar familiares e residências e percorrer longos trajetos a pé e de trem, da porta de casa até o porto da cidade de Gênova, com filhos a tiracolo e pertences reunidos em baús de madeira e trouxas de pano.
- A pobreza absoluta é o grande móvel desse episódio chamado imigração italiana, e ela está como uma referência para a memória coletiva - destaca a pesquisadora Cleodes Piazza Julio Ribeiro, descendente de Tommaso Radaelli, um dos três primeiros imigrantes que chegaram a Nova Milano (hoje distrito de Farroupilha, na Serra) em 20 de maio de 1875.
Italianos encontraram terra barata e muito trabalho na Serra Gaúcha
Enquanto se afastavam do porto, os futuros colonos se adaptavam a um microcosmo onde poucos falavam o italiano, a língua oficial do país recém formado. No livro Memórias, o imigrante Júlio Lorenzoni relata que "em qualquer canto do vapor só se escutava um vozerio incompreensível de dialetos, a maior parte vênetos e lombardos, muitos dos quais não entendia".
Em cartas, imigrantes italianos descreviam o Rio Grande do Sul como um lugar de fartura
A expressão "somos todos italianos" começou a surgir nessas viagens com duração média de 30 a 40 dias - os primeiros moradores de Nova Milano levaram três meses e oito dias para chegar ao Rio de Janeiro.
Agências de imigração acenavam com trabalho
Entre 1876 e 1901, saíram de Gênova 61% dos imigrantes italianos, poucos deles em navios com bandeira nacional - a Companhia Transatlântica de Navegação a Vapor para a América foi constituída em 1852 e, em 1881, surgia a Navigazione Generale Italiana (NGI) - Società Riunite Florio & Rubattino, criada com o objetivo de suportar a concorrência da marinha estrangeira. Com o passar dos anos, Gênova deixaria de ter o porto italiano mais movimentado do país.
Houve uma alta no movimento quando as companhias contrataram agências de imigração, que passaram a recrutar agricultores e desempregados com o aceno de trabalho além-mar. Atraídos por promessas de uma vida melhor, eles se davam conta só ao desembarcar de que haviam chegado a um lugar desabitado e sem estrutura para recebê-los. Era preciso começar tudo do zero.
Entre 1875 e 1915, 14 milhões de pessoas deixaram a Itália rumo a países como Brasil, Estados Unidos, Uruguai e Argentina.
O número impressiona ao se considerar que, em 1900, a população italiana era de 33,5 milhões de habitantes, de acordo com o banco de dados I.Stat, do Instituto Nacional de Estatística da Itália. Ainda assim, não há muita atenção de pesquisadores italianos sobre a vinda dos compatriotas a terras brasileiras. Praticamente não se trata desse tema nas escolas italianas, e a preferência de estudiosos recai sobre a ida dos italianos aos Estados Unidos e à Argentina. Com estudos centrados especialmente no êxodo do norte italiano ao sul do Brasil, o historiador italiano Emilio Franzina acrescenta:
- No caso do Rio Grande do Sul, a mola principal à expatriação foi constituída pelo medo de perder o status de pequenos proprietários ou de locatários capazes de manter grandes famílias de agricultores.