Receber uma multa por excesso de velocidade não é um bom momento para nenhuma pessoa. Mas coloque-se na pele do empresário finlandês Reima Kuisla. Ele recebeu multa de 54.024 euros - o equivalente a R$ 184,8 mil - por passar a 103 km/h por hora em um radar com limite de 80 km/h. Não foi erro de digitação, nem engano de algum funcionário público.
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Kuisla é milionário, e quando o excesso de velocidade é muito grande na Finlândia, a multa é calculada de acordo com a renda do infrator. A ideia é: se a multa dói para quem não tem muito dinheiro, ela tem de doer para quem tem bastante também.
A autuação teve o efeito desejado. Kuisla, 61 anos, foi ao Facebook e fez 12 posts furiosos, nos quais incluiu uma foto da multa, além de imagens do que os 54.024 euros poderiam comprar, se não tivessem ido para os cofres públicos - como uma Mercedes zero quilômetro. Ele disse que estava pensando seriamente em sair da Finlândia, opinião que mantinha quando foi contatado por telefone, enquanto estava em um bar assistindo a corridas de cavalo.
- O jeito como as coisas são feitas aqui não faz sentido - resmungou Kuisla, afirmando que não daria mais entrevistas. Antes de desligar o telefone, ele ainda perguntou: - Para quem e para quê existe esta sociedade?
Há tempos, os países nórdicos têm assumido uma abordagem mais igualitária, adotando impostos progressivos e altos índices de gastos públicos. O que talvez seja menos conhecido é o fato de que eles também praticam a punição progressiva. Muitas pessoas acreditam que uma pessoa rica deveria pagar mais pela mesma infração, se o objetivo for ser mais justo. A questão é: quanto mais um rico deve pagar?
- Esse é um sistema bem antigo. O resultado são multas mais altas, mas apenas para pessoas que podem pagar - disse Pasi Kemppainen, superintendente-chefe da Diretoria Nacional da Polícia.
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Muitos finlandeses ridicularizaram as reclamações de Kuisla. Entretanto, o tamanho da multa chamou atenção no país todo e fez os canais de TV e os jornais impressos debaterem os méritos do sistema finlandês, que utiliza uma fórmula complexa baseada na renda para calcular as multas de cada infrator.
Algumas pessoas se perguntavam se o governo deveria deixar de cobrar esse tipo de multa nos casos em que as velocidades eram relativamente baixas. Outros sugeriam que multas mais altas não passavam de mais uma forma de cobrar impostos.
Contudo, a ideia de que os ricos deveriam pagar multas mais altas não parecia estar em questão.
Na Universidade de Helsinki, Jussi Lahti, 35 anos, estudante de pós-graduação de Geografia, afirmou que entendia porque Kuisla estava chateado, mas que considerava o sistema de multa igualitária mais justo. E acrescentou:
- Kuisla tinha escolha quando decidiu andar acima da velocidade.
A casa onde mora Kuisla, que passou a 103 km/h em local onde o limite é de 80 km/h
Multa gerou debate sobre sistema penal
O sistema de multas da Finlândia, também praticado em outros países escandinavos, data dos anos 1920, quando as autuações baseadas na renda dos infratores foram instituídas para todo o tipo de pequenos crimes, tais como furto e agressão, ajudando a reduzir consideravelmente a população carcerária.
As multas são calculadas com base na metade da renda bruta diária do infrator, levando em conta quantas crianças vivem na casa, além de uma dedução considerada suficiente para cobrir os custos básicos de vida, atualmente avaliado em 255 euros (R$ 872,53). Em seguida, esse total é multiplicado pelo número de dias de renda que o infrator deveria perder, de acordo com a gravidade do crime.
Kuisla, um investidor que construiu um império imobiliário, foi pego em um radar próximo ao aeroporto de Seinajoki. Em vista da velocidade em que transitava, Kuisla perdeu oito dias de renda. Sua multa foi calculada com base em sua renda de 2013: 6.559.742 euros (R$ 22.445.469,20).
Uma pessoa que cometesse a mesma infração e recebesse um salário de cerca de 50 mil euros ao ano (R$ 171.085,00), sem ganhos de capital e sem filhos pequenos, teria recebido uma multa de 345 euros (R$ 1.180,49).
A multa acabou gerando um debate em torno da coerência do sistema penal finlandês. A infração de Kuisla é classificada como um crime, o que pode parecer excessivamente rigoroso em um país considerado leniente em outras áreas. Por exemplo, pessoas condenadas por assassinato podem pegar apenas nove anos de pena, sendo liberadas em quatro anos e meio por bom comportamento, de acordo com Kimmo Kiiski, assessor de transporte do Ministério do Transporte e das Comunicações.
Ele afirmou que uma comissão estava considerando esse tipo de questão e deveria terminar um relatório no ano que vem, provavelmente eliminando as infrações de trânsito do sistema de justiça criminal e deixando de cobrar multas tão altas para violações relativamente pequenas. De acordo com Kiiski, Kuisla teria pago uma multa de apenas cem euros (R$ 342,17) se estive andando 3 km/h mais devagar.
- É preciso haver alguma diferença dependendo da renda ou, então, não haveria justiça, mas não uma diferença tão grande - afirmou Kiiski.