Toda vez que surge um embate entre pais e filhos, a "receita" é a mesma: o diálogo. Mas, se o caminho apontando é único, por que, então, é tão difícil resolver a questão com a conversa? Pois, aprendendo sobre "escuta empática", acabo concluindo que o segredo está na forma como ocorre o diálogo. O escritor Stephen Covey, o pai da dita escuta empática, explica que ouvir com empatia é primeiro tentar compreender o outro. Ou seja, entrar no mundo da pessoa que fala, pegar seus óculos emprestados para, realmente, compreender o que ela está dizendo. Mas, enquanto a outra pessoa (ou o filho) está colocando a questão, a gente já está matutando o que vai responder, que solução vai apresentar
Isso quando não atropelamos a fala, apresentando conselhos ou elencando situações ainda mais dramáticas do que as vivenciadas pelo interlocutor: "Mas isso não é nada, eu vivo uma situação muito mais complicada ou tenho problemas muito mais sérios para resolver ". Como sentenciou Rubem Alves, que recentemente nos deixou, estamos precisando mesmo de um curso de "escutatória". O genial cronista escreveu: "Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular". Enquanto aguardo o curso para me matricular, para ir treinando, elaborei dois diálogos fictícios em que dois pais tentam ajudar o filho préadolescente em seu dilema. Um deles usa a escuta empática:
- Filho - Sabe, pai, eu não aguento mais as aulas de matemática Fórmula e mais fórmula, e tudo uma decoreba inútil Não consigo mais nem olhar para a professora
- Mãe- Qual é a reclamação da vez, meu filho? De novo, reclamando da escola
- Pai- Meu filho, sinto que isso realmente está te deixando muito chateado Pode falar que o pai está aqui para te ouvir
- Filho - Eu fico horas e horas na escola para decorar um bando de fórmulas inúteis que eu nunca vou utilizar na vida Eu quero é ser professor de língua portuguesa e, para isso, não precisa saber matemática
- Pai - Professor? Você deve estar maluco! Eu e sua mãe dando um duro danado para pagar sua escola e você pensando em ser professor E outra coisa, filho, nem tudo o que a gente faz na escola ou no trabalho, a gente gosta Mas tem de se conformar, não tem jeito, e tem de fazer tudo direitinho Estudar é a sua única obrigação
- Mãe - Deixa eu ver se eu entendi bem Pelo que estou percebendo, você está sentindo que está desperdiçando seu tempo aprendendo matemática na escola e estudando as fórmulas em casa para, depois, não precisar mais delas, que elas são totalmente inúteis
- Filho - Sabe, pai, lembrei agora de um exemplo. Eu tenho uma professora de português que é um exemplo para a turma, mas, em qualquer conta simples, ela usa a calculadora Se bem que fiquei sabendo que, um dia, ela só não passou em um concurso porque foi mal na prova justamente de matemática
- Pai - Viu, só? Resolveu estudar só o que gostava e deu no que deu Experimenta fazer o mesmo que eu e sua mãe vamos cortar o futebol ou a sua mesada
- Mãe - Pelo que compreendi, você acha que a professora pode ter se arrependido de ter deixado a matemática de lado E está usando o exemplo dela para refletir sobre sua situação. É isso, meu filho, entendi direito?
O final do diálogo do filho:
- Pai - Por isso, é que que não gosto de falar com o senhor sobre esses assuntos. Não tenta se colocar no meu lugar, sua vida sempre foi mais difícil, seus problemas são sempre maiores, e a gente sempre acaba brigando Melhor deixar para lá.
- Filho - É, pai, pensando melhor, eu vou precisar mesmo desse bando de fórmulas, gostando ou não delas Será que o senhor me ajuda a tentar achar um jeito de torná-las menos chata na hora de estudar? Quem sabe eu até passo a gostar delas?
"Há razões para o seu filho preferir falar com os amigos"
O empresário Jorge Brandão, um dos fundadores do Centro de Valorização da Vida em Santa Maria, o CVV (telefone 141), acredita que a escuta empática é indispensável para despertar aquilo que o outro tem de melhor. Encontrando condições favoráveis de acolhimento, aceitação, respeito e compreensão, o ser humano irá descobrir e lançar mão de seus recursos interiores. Ao conversar e perceber que está sendo compreendido, ele reorganiza seus pensamentos, sente-se mais encorajado a buscar uma solução. Parece que é preciso muito treino para adotar essa técnica, mas o resultado dela mostra que o retorno é garantido.
Em casa, com o filho, no trabalho, com o marido ou esposa, enfim, em qualquer relacionamento pessoal. Claro que é preciso escolher o momento certo para o diálogo, em que pais e filhos estiverem em condições emocionais. E, se você reclama que seu filho não se abre para você, verifique se não está adotando um diálogo ineficaz, e, talvez por isso, ele esteja buscando os amigos, que não vão julgálo, nem repreendê-lo nem recomendar (ou impor) suas soluções.
A ESCUTA EMPÁTICA E COMO PRATICÁ-LA
Escutar de forma empática é refletir o que a outra pessoa sente e fala, usando suas próprias palavras:
- Não julgue - Não concorde nem discorde com o que o outro fala. Evite frases como "Na sua idade, filho, eu também já passei por isso e sei exatamente como é."
- Não investigue - Evite perguntas a fim de obter informações como "Você gosta do seu professor de matemática? Ele já lhe chamou atenção alguma vez?"
- Não aconselhe - Resista à vontade de sugerir ou recomendar soluções. "Você gostando ou não, ainda vai precisar dessas fórmulas"
- Reflita sobre o conteúdo da mensagem - Use suas próprias palavras para tentar traduzir o que o outro disse. "Você está dizendo que essas fórmulas são só decoreba e não vão lhe servir para nada no futuro "
- Reflita sobre os sentimentos - Concentre a atenção num só foco: entender como a pessoa se sente e refletir sobre isso. "Você está com raiva em relação a ter de saber fórmulas que considera inúteis "