Estudiosa do comportamento feminino, a jornalista Cynthia de Almeida, colunista da revista Cláudia e autora do blog Mulheres Incríveis, sabe bem como a gravidez ainda é um assunto delicado nos ambientes de trabalho.
Entre o sonho e a insegurança
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Além de ter passado por uma experiência pessoal de constrangimento quando esperava o terceiro filho, observa que, passadas duas décadas, o mundo corporativo continua sendo tão ou mais cruel com planos de maternidade. Como já escreveu em uma de suas colunas, em pleno século 21, as mulheres ainda sofrem pressão e são vistas com maus olhos quando anunciam em suas empresas que estão grávidas - principalmente quando ocupam cargos de chefia. A seguir, um bate-papo com a autora:
Donna - Por que o constrangimento nos ambientes de trabalho em relação à maternidade se mantém, apesar de todos os avanços conquistados pelas mulheres?
Cynthia - A própria culpa feminina em relação à dedicação que é exigida alimenta esse fenômeno. Saber que a gravidez vai limitar esse nível de dedicação preocupa as mulheres e ajuda a nutrir essa cultura. É algo que vai além da questão da própria maternidade. A culpa materna tem a ver com a cultura do overworking. Trabalhar acima do limite se tornou normal. O excesso virou sinônimo de dignidade do trabalho, condição para não ser considerada uma funcionária mecânica, sem criatividade. Frequentemente, saem artigos mostrando que os níveis de estresse são cada vez maiores. Esse estado de trabalho virou orgulho. A pessoa diz: "Eu trabalho 24 por sete" como se fosse possível, sustentável. E aí se passa a ideia de que quem cumpre horário é medíocre, preguiçoso. Essa ideia está superligada à culpa pela maternidade, e vem de um padrão criado pela cultura masculina. Os homens não engravidam, então não há espaço para isso.
Donna - A senhora conta em uma de suas colunas que foi chamada de hippie pelo chefe do jornal em que trabalhava quando deu a notícia de que esperava pelo terceiro filho. E escreveu que sua filha mais nova, hoje com 23 anos, não está livre de um embaraço semelhante. O que mudou nessas duas décadas?
Cynthia - Minha filha vive num mundo igualzinho ao que existia quando eu engravidei. A diferença é que hoje a sociedade está mais consciente do politicamente correto. Eu tenho 58 anos. Há 20, a gente ainda achava que trabalhar era transgressão. Então a gente suportava melhor as piadinhas. Era um mundo dominado pelos homens. Agora não é mais, a gente não tem tanta paciência. Só que aumentou o grau de culpa da mulher, de forma mais danosa. Antes até parecia engraçado.
Donna - Quais países lidam melhor com o tema?
Cynhtia - Os países nórdicos, como Finlândia, Noruega, têm legislações bem avançadas. Em alguns há até três anos de licença-maternidade, porque querem aumentar a taxa de natalidade. E também se permite a licença bi-gênero, com o homem tirando licença por um tempo, a mulher por outro. Isso beneficia as duas pontas, porque aproxima o pai também da educação da criança. No Brasil a taxa de natalidade já está abaixo de 1,8 filho por mulher. Em 30 anos a população vai começar a regredir. Daqui a pouco vai existir a consciência, mulher grávida vai ser premiada.
Donna - Como as mulheres que precisam conciliar carreira e maternidade podem administrar melhor a culpa?
Cynthia - Ter culpa já é um sofrimento. A mulher fica sempre submissa, pensando: será que agora é o melhor momento para engravidar? E vira uma angústia, que elas reportam a si mesma, mesmo quando não há uma pressão explícita da chefia. Não tem fórmula fácil pra resolver isso, a culpa não vai embora correndo. Um bom exemplo foi a COO (chief operating officer) do Facebook, Sheryl Sandberg, que tem dois filhos. Ela resolveu falar abertamente sobre o tema, começando por perguntar às candidatas a qualquer cargo na empresa se planejam engravidar. Colocar na mesa, dividir os planos e a postura é uma forma de dar maior visibilidade e compreensão ao tema. Como chefe, uma vez, enfrentei um caso durante o processo de seleção para dirigir uma revista. Eu escolhi uma candidata e, durante a entrevista, ela me disse: "acho que vou aceitar, mas eu tenho um problema. Estou grávida". E eu respondi: "não estou vendo qual é o problema". Ela foi contratada e não houve qualquer problema. A presença de líderes mulheres, que pensam como mulheres quando chegam ao topo, ajuda nesse processo.
Entrevista
Cynthia de Almeida: "a culpa materna vem da cultura do overworking"
Estudiosa do comportamento feminino, jornalista vivenciou experiência pessoal de constrangimento quando esperava o terceiro filho
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