Duas pesquisas realizadas em universidades americanas abrem novas perspectivas de tratamento, e até de cura, do Mal de Parkinson, que vem crescendo no mundo inteiro, devido ao envelhecimento da população. A desordem degenerativa causa tremores e rigidez e lentidão de movimentos, entre outros problemas.
Na Universidade de Búfalo, cientistas descobriram como mutações no gene parkin (associado à regulação do metabolismo e à geração de energia nos neurônios) causam a doença, em vez de proteger contra ela. E, no Alabama, pesquisadores aprofundaram seus conhecimentos a respeito do gene VPS41, outro que, se modificado, pode provocá-la.
O estudo da Universidade de Búfalo, divulgado pela revista "Nature Communications", foi o primeiro sobre como os neurônios humanos são afetados pelo gene parkin, e podem levar ao surgimento de drogas eficazes contra a doença, bem como ao desenvolvimento de uma plataforma de triagem (uma forma de identificar geneticamente que indivíduos poderão tê-la) e de novos tratamentos, em que se poderia reproduzir as funções protetoras do gene parkin.
No trabalho, os pesquisadores superaram um grande empecilho na pesquisa do Mal de Parkinson e das doenças neurológicas em geral: puderam observar como é sua manifestação nos neurônios - a principal causa desta desordem é a morte acima do normal dos neurônios produtores do hormônio dopamina.
Até poucos anos atrás, segundo Jian Feng, PhD, professor de fisiologia e biofísica na Escola de Ciências Médicas e Biomédicas da Universidade de Búfalo e principal autor do trabalho, era impensável fazer isso, porque os neurônios fazem parte de uma rede complexa no cérebro, e realizar estudos invasivos poderia acabar por danificá-la. Também não adiantaria usar modelos animais, já que, ao que tudo indica, os neurônios humanos tem "vulnerabilidades únicas".
- Acreditamos que o cérebro humano, maior (do que o de muitas espécies), usa mais dopamina para dar apoio à atividade neural necessária para o movimento bípede do que é necessário no movimento quadrúpede, comum a muitas outras espécies animais - explica Feng.
Considerava-se, portanto, impossível estudar como as doenças se manifestam nos neurônios. Mas sua equipe começou a vislumbrar uma solução para o impasse em 2007, quando pesquisadores japoneses anunciaram ter convertido células humanas em células-tronco pluripotentes induzidas (iPSCs, na sigla em inglês), ou seja, células que podem se transformar em quase todas as células especializadas do corpo humano, assim como acontece com as embrionárias.
- Essa nova tecnologia mudou o jogo no caso do Mal de Parkinson e de outras desordens neurólogicas. Assim, finalmente pudemos obter o material de que precisávamos para estudar esta doença - disse Feng.
Para realizar seu estudo, os pesquisadores da Universidade de Búfalo produziram neurônios humanos a partir de células da pele de quatro indivíduos: dois com um raro tipo de Parkinson, no qual a mutação do gene parkin é a causa da doença, e dois saudáveis, que serviram como grupo de controle.
- Uma vez que o parkin sofre mutação, não consegue mais controlar a ação da dopamina, essencial à atividade neural requerida para possibilitar nossos movimentos - diz Feng.
Os pesquisadores descobriram que as mutações do gene parkin impedem a produção da enzima monoamina oxidase, que catalisa a oxidação da dopamina.
- Em geral, o parkin faz com que esta enzima, que pode ser tóxica, se manifeste num nível bem baixo, para que a oxidação da dopamina esteja sob controle - explicou Feng. - Mas nós descobrimos que essa regulação não acontece quando o parkin sofre mutação: a enzima se expressa num nível bem mais alto. As células nervosas dos pacientes com Parkinson tinham um nível muito mais alto desta enzima do que as do grupo de controle. Sugerimos, no nosso estudo, que é possível apostar numa nova classe de drogas, que reduza a expressão da monoamina oxidase - acrescentou, lembrando que uma das drogas usadas atualmente para tratar o Mal de Parkinson (selegilina) já atua inibindo a atividade desta enzima, e que testes clínicos mostraram que ela retarda o desenvolvimento da doença.
O Mal de Parkinson é causado pela morte além do normal de neurônios produtores de dopamina. Na maioria dos casos, não se sabe por que isto acontece. Em 10% deles, porém, a desordem é causada por mutações de genes como o parkin, e esta foi a forma da doença investigada no estudo.
- Concluímos que uma das causas da morte dos neurônios produtores de dopamina é a oxidação exagerada, devido à produção acima do normal da enzima monoamina oxidase - explica Feng. - O trabalho dá as primeiras indicações de que, nos doentes de Parkinson, o gene parkin não atua como deveria.
O estudo diz que pode-se reverter o defeito do gene parkin no cérebro de doentes com Parkinson implantando outro gene parkin, sem mutação, em seus neurônios. Daí a possibilidade, sugerida pelos autores, de se desenvolver drogas que reproduzam as funções protetoras do parkin e que, talvez, possam até levar à cura da doença: embora o estudo tenha focado numa manifestação rara deste mal, Feng observa que entender como o gene parkin trabalha é relevante para todos os pacientes.
Na Universidade do Alabama, o estudo teve o objetivo de entender melhor como um outro gene, o VPS41, protege a produção de dopamina no cérebro, tanto em modelos animais quanto na cultura de neurônios humanos, o que também poderia levar ao desenvolvimento de um medicamento eficaz no combate à doença, segundo um artigo publicado na revista "Journal of Neuroscience". Os pesquisadores descobriram que uma rara alteração no DNA parece ter impacto nas funções do VPS41.
- Mutações podem representar fatores de susceptibilidade ao Parkinson até então não mencionados - diz Guy Caldwell, professor de ciências biológicas da Universidade do Alabama e coautor do artigo.
Os pesquisadores usaram cepas específicas de vermes nematoides tanto com modelos animais como no trabalho com culturas humanas. Os vermes geneticamente modificados continham uma proteína humana, a alfa-sinucleína, em suas células. Os cientistas concluíram que pessoas com muitas cópias do código da alfa-sinucleína desenvolverão Parkinson. Isto porque cópias extras desta proteína podem levar à morte dos neurônios dopaminérgicos no cérebro.
- O principal avanço é que nós definimos mecanicamente como o VPS41 parece transmitir sua capacidade de proteção aos neurônios, não apenas em vermes, mas também em culturas de neurônios produtores de dopamina - disse Caldwell.
A próxima fase da pesquisa consiste em aplicar estas descobertas a potenciais terapias para tratar a doença.
Os estudos trazem perspectivas animadoras, segundo o neurologista Alexandre Amaral, diretor-médico do Centro Multidisciplinar da Dor, no Rio.
- Com estas duas pesquisas, podemos contemplar uma tendência mundial que a medicina vem trilhando na busca de entender cada vez mais e melhor as doenças que levam a processos degenerativos do ser humano. E mais: não satisfeitos em tratar esta doença, os médicos e neurocientistas estão na busca de métodos neurorregenerativos - avalia ele. - Evoluímos de um passado onde fazíamos transplantes de neurônios, aos quais havia sérias restrições éticas. Atualmente, com a evolução científica da cultura de células a partir de células-tronco, temos aumentado em muito o espectro de chance de implantar estes neurônios geneticamente sadios no cérebro de indivíduos com Doença de Parkinson e vislumbrar a cura desta terrível e tão devastadora doença.