Por Pamela Paul
Existe um intruso em meu leito conjugal. Brilhante, colorido, sedutor e fácil de agarrar, ele está capturando a atenção do meu marido à noite. E eu já estou farta disso.
O intruso é o iPad do meu marido, uma compra à qual objetei arduamente. Depois de um longo dia piscando na frente da minha mesa no trabalho, da minha mesa em casa, do meu laptop e do meu celular, fico feliz em libertar meus olhos e me retirar para as sossegadas e estáticas páginas de um livro, à moda antiga. O iPad, com seus ícones alegres e claridade insistente, invariavelmente rouba o meu olhar do meu próprio material, em uma distração inevitável. Não consigo ler perto dele. Meu marido o adora.
Nossa rixa sobre leitores digitais de livros versus "madeira morta" (como chamariam cruelmente os tecnófilos) não é a única discordância baseada em dispositivos eletrônicos que se metem em relacionamentos que, de outra maneira, seriam harmoniosos. Recentemente, tentando resolver um problema em meu iPhone, pedi ajuda a uma colega. "Estive pensando em comprar um iPhone", ela me disse, melancolicamente. "Mas meu marido é bastante anti-Apple. Ele não quer nenhum produto deles dentro de casa".
Perto de disputas como essas, discordâncias políticas à la Mary Matalin-James Carville parecem coisa de 1994.
Num relacionamento, o homem pode insistir em um Kindle, enquanto sua esposa pode usar um Nook. Para outros casais, é a persistente discórdia sobre BlackBerry ou iPhone, ou o antigo debate sobre PC versus Mac. Um dos lados usa um Zune, em vez do quase-onipresente iPhone. Outros discutem sobre a comparação entre o apelo dos tablets e o os laptops.
A tecnologia pode aproximar os casais. Um casal poderia parecer super-adorável, procurando juntos por itens na Apple Store. E trocar livros no Kindle é ótimo. Não é linda a maneira como eles compartilham vídeos das crianças em seus smartphones? É tão bonitinho (e nauseante) quando os casais tuitam entre si, ou flertam no mural do Facebook de seus parceiros.
Mas nem todos os casais se dão bem tecnologicamente. "Meu namorado, Bill, acha o meu telefone ridículo", afirmou Amy Robinson, de 28 anos, que ainda usa um Nokia dos anos 90. "Ele tira sarro de mim o tempo inteiro: 'Por que você ainda tem esse telefone? O que há de errado com você?'"
Bill Rice, de 30 anos, que trabalha em uma startup de tecnologia, foi uma das primeiras pessoas a adquirirem um Motorola Xoom. Quando o Android 4G foi anunciado, ele ficou contando os dias até seu lançamento.
Por mais compatibilidade que um casal possa ter enquanto amigos, amantes ou companheiros domésticos, a incompatibilidade tecnológica pode ser enfurecedora. Porque, embora os casais se amem, eles também adoram seus aparelhos. Estudos demonstraram que as pessoas desenvolvem sentimentos muito parecidos com o amor, pelos seus telefones celulares, por exemplo. Um estudo descobriu que os jovens australianos acreditavam que "seus telefones faziam parte deles". Em outro estudo, apenas 1 por cento dos estudantes universitários dos Estados Unidos disseram que, caso perdessem seus telefones, eles "iriam tentar viver sem o aparelho". A introdução do Siri irá provavelmente apenas exacerbar essa tendência já documentada, de antropomorfizar nossos espertos amiguinhos eletrônicos.
Melody Chalaban, 35 anos, usuária de iPhone e gerente de relações públicas de uma companhia de software, e Michael Swain, 35 anos, arquiteto e proprietário de um Android, ilustraram a notificação de "Reserve a Data" de seu casamento em outubro com uma imagem do robô do Android jogando o logo da Apple para o ar (qual dos dois saiu vencedor, se é que houve um vencedor, fica aberto à interpretação).
Mesmo aqueles que não conseguem diferenciar um Birkin de um Bottega Veneta podem tornar-se fervorosos no tocante a sua marca escolhida de engenhoca, e furiosos quando desafiados sobre os méritos dela. Para muitos, seu pedaço pessoal de vidro Gorilla da Corning e policarbonato se torna simbólico, uma bandeira de personalidade que identifica seu proprietário como iconoclasta, avesso à tecnologia, entusiasta tecnológico ou adorador da beleza e indiferente à mecânica.
E nem sempre as identidades eletrônicas de um casal combinam. "Eu odeio tanto o iPad quanto o Kindle Fire dela", declarou Charles Ardai, 42 anos, diretor do D.E. Shaw Group e editor da editora Hard Case Crime, sobre a coleção de tablets de sua esposa, Naomi Novik, de 38 anos. "Tenho uma repugnância atávica por livros que não sejam feitos de papel e tinta".
Essas diferenças, disse Ardai, são mais profundas do que o sentimento superficial de gostar mais de um cacareco que de outro. "Naomi é a definitiva criadora de tendências, porque ela é fundamentalmente otimista", disse ele. "E eu sou fundamentalmente um pessimista, o que explica porque escrevo ficção sombria e chocante, e tenho estranhas noções tecnológicas" (Novik, por sua vez, é especializada em ficção científica e fantasia).
É interessante perceber que as disparidades de gênero na escolha de aparelhos não são significativas. Diversos estudos através dos anos 2000 descobriram que as mulheres são mais ligadas a seus celulares do que os homens, embora essa tendência possa mudar, agora que os smartphones (capacitados para jogos, acompanhamento de mercado de ações e vadiagem na internet) estão tomando conta do mercado.
Segundo uma pesquisa feita online em novembro de 2011 com 1.300 americanos pela InsightExpress _ uma companhia de pesquisas de marketing digital sediada em Stamford, Connecticut _ os donos de iPads são homens em sua maioria (11 por cento dos homens conectados possuem um, contra 5 por cento das mulheres). Os homens também parecem ser mais inclinados a possuírem um smartphone: 42 por cento contra 37 por cento das mulheres. Quando o assunto são as marcas, no entanto, enquanto algumas pesquisas indicam que os homens tendem a comprar Androids e as mulheres, iPhones; outros dados mostram as variedades de smartphones como igualmente populares entre homens e mulheres.
Essa harmonia demográfica geral não faz com que um caso individual de descompasso tecnológico seja menos dolorido. Bill Douglas, de 39 anos, consultor de mídia social, sentiu-se traído quando sua esposa, Bis Misra, uma médica de 37 anos, mudou para o iPhone. "Nós compramos juntos os nossos primeiros Droids", disse ele.
Arrependimento ou irritação? Rich Hemlich, diretor de marketing de um site de leilões, de 47 anos, disse que a afinidade de sua namorada pelo iPhone o deixa maluco. "Ela jura de pés juntos o tempo inteiro que não é uma elitista da Apple, mas pula de alegria sempre que alguém pergunta que tipo de telefone ela tem", disse Hemlich, comprometido proprietário de um Droid Razr.
Ele tentou persuadi-la a "mudar para melhor", mas disse: "Foi aí que começamos a entrar em uma batalha. Ela fica dizendo que vai mudar para um Android quando seu contrato expirar, mas sempre renova o contrato". Em relação a todo o resto, "ela é completamente fiel a mim".
Seja lá o que digam sobre respeitar as escolhas do parceiro, para muitos casais, a conversão é a meta verdadeira. Deborah Sweeney, 37 anos, dona de uma pequena empresa em Calabasas, na Califórnia, era defensora de longa data do BlackBerry. "Durante os últimos sete anos, meu marido tentou me fazer mudar para um iPhone", disse ela. "Ele me dizia constantemente que eu era maluca". Quando a BlackBerry teve uma falha de serviço há pouco tempo, ele ficou radiante: "Viu?" Em novembro, ele finalmente a persuadiu a trocar de telefone.
"Eu honestamente tive sentimentos de afastamento e remorso", disse Sweeney sobre a mudança. "O telefone é como o seu bebê".
Idealmente, os convertidos admitem os erros de seu comportamento antigo. Jenna Chavez-Laszakovits, de 25 anos, consultora técnica em San Antonio, é uma mulher tipo PC-Nook-LG. Seu marido Eric Laszakovits, de 31 anos, é um homem tipo Mac-Kindle-iPhone. No Natal de 2010, ele deu a ela um iPod. "Para ser honesta, foi um pouco exagerado", explicou ela. "Mas ele é um grande entusiasta, e queria compartilhar seu amor pelos produtos da Apple. Acho que o melhor canal que ele encontrou foi o Natal".
Laszakovits disse: "Depois de ganhar o aparelho, ela gostou. A bateria descarrega todo dia, de tanto que ela usa", o que a esposa admite.
Mas, para muitos casais, os esforços para vencer o parceiro eletronicamente terminam apenas em frustrações. Emma Moore, de 36 anos, dona de uma companhia de software, comprou um Nook para seu namorado, Jim, logo depois que eles começaram a sair. Ele ainda não ligou o aparelho. "A vida dele ficaria tão mais fácil", disse ela. "Em vez disso, toda manhã ele carrega quatro jornais até a lanchonete. Tem sido um grande desafio para nós dois".
"Um dia, eu acho que ele vai entender o que estou tentando fazer por ele", disse Moore.
Ah, sim, um dia, algum dia... ele irá mudar... e quando esse dia chegar, a tecnologia (se não o relacionamento) já terá seguido em frente.
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