Certamente, muita gente se lembra do momento em que a lenda do Natal se tornou história da carochinha. Desilusão sem traumas, inerente à infância, dizem. O drama é mais para os pais: como administrar o mito natalino? Cada família, uma sentença.
Na casa do economista e escritor Alexandre Lobão, 42 anos, o assunto surgiu quando a filha, na época com 6 anos, perguntou ao pai se o Papai Noel realmente existia, no meio da arrumação da árvore de Natal. Alexandre, pego de surpresa, não esperava que o questionamento viesse tão cedo e lançou mão de uma história inventada ali, naquele exato momento. "Bolei na hora uma história que contasse que, de fato, Papai Noel não existia, mas sem tirar a magia do Natal", lembra.
A história incluía o velho Nicolau muito debilitado, e que, num certo Natal, não pôde mais distribuir presentes. Daí os pais das crianças foram até a casa do velho lenhador saber o porquê de as crianças não terem recebidos suas lembrancinhas naquele ano. Eles percebem que o bom velhinho foi dessa pra uma melhor e assumem a função dele. Juntos, todos os pais se tornam o Papai Noel. Tudo isso passando pela história de Jesus, de culturas distantes, da magia dessa data. A menina adorou a história e, anos depois, Alexandre decidiu passá-la para o papel.
O conto virou o livro A verdadeira história de Papai Noel (Franco Editora), que ajuda pais a enfrentar a questão. Para a família de Alexandre, o trenó cruzando o céu continuava sendo o do bom e velho Nicolau, que morava no céu, e gostava de cruzar as nuvens nas noites de Natal. A filha do escritor, depois da história, disse ao pai que viu o trenó pela janela. O assunto, que tinha tudo para ser complicado, fluiu tranquilamente, sem que a data perdesse o encanto.
A hora certa
Na casa da família Merson, por exemplo, as dúvidas já começaram a aparecer. Nos pais e na filha mais velha. Nina Merson, 10 anos, soltou pela primeira vez, este ano, o questionamento para a mãe: "Papai Noel existe mesmo?". A mãe retrucou: "O que você acha?". "Não tenho certeza", disse a menina. No dia seguinte, Nina já estava às voltas com a lista de presente que escolheria para escrever na cartinha que mandará ao Polo Norte. A pulga atrás da orelha, porém, continuou, e Nina propôs ao pai, o engenheiro Paulo Merson, 41 anos, que eles deixassem uma câmera de vídeo ligada na sala, durante a madrugada de Natal, para que pudessem flagrar a chegada dos presentes.
Os pais de Nina e do irmão Luca, de 6 anos, são daqueles que montam árvore de Natal, incentivam os filhos a escrever cartinhas para Noel, colocam caneca com leite quente e biscoito na mesa no dia 24, para que o bom velhinho tenha o que lanchar na hora da entrega dos mimos. Todos os anos, assistem ao filme Expresso polar e fazem questão de preservar o encanto do Natal pelo tempo que conseguirem. Precavido, Paulo comprou o livro de Alexandre Lobão, se for o caso de usá-lo. "Prefiro que ela perceba e converse com a gente, do que eu simplesmente contar."
Com a funcionária pública Carolina Lobo, 32 anos, a história foi diferente. Quando tinha 7 anos de idade, a mãe lhe contou sobre a inexistência do Papai Noel por livre e espontânea vontade, às vésperas do Natal. "Minha mãe diz que foi me contar esperando que eu dissesse 'eu já sabia', mas, na hora, ela disse que viu a decepção em meus olhos, que se encheram de lágrimas." A mãe ficou tão desesperada que, para não estragar a noite, mudou o discurso, dizendo que o velhinho não existia "mais", e que, quando Carol era bebê, o havia conhecido e até puxado a sua barba. Para Carolina, a história consertada foi suficiente e virou uma bela memória de infância. "No fim, quem ficou traumatizada foi a minha mãe, que teve que se virar nos 30 e inventar uma história. Direi às minhas duas filhas, se um dia me perguntarem, que existem vários Papais Noéis no mundo, nem sempre com a roupinha vermelha e barba branca, mas que fazem várias crianças pelo mundo felizes com suas boa ações", diverte-se.
Outro relato sem traumas, mesmo que com certa desilusão, é a da assessora Carolina Andrade, 30. "Todo Natal meu avô Mohamad se fantasiava de Papai Noel, de barba, óculos e botas. Naquele ano (eu tinha 6), senti a mesma felicidade gigante de quando o velhinho chegava com o saco e os presentes. Mas, desta vez, reconheci a bota que ele usava. Um coturno que eu já havia visto uns dias antes, na área de serviço da minha avó. A partir daí, minha cabeça ficou dividida entre a ansiedade em ganhar meu presente e a angústia em estar reconhecendo no Papai Noel o meu avô. Por um instante, pensei 'meu avô é o Papai Noel', mas depois percebi que a barba era de mentira, que os óculos não tinham lente... Não fiquei triste, mas o cenário mudou completamente", conta. Carolina guardou o segredo até toda a encenação terminar. Recebeu o presente, agradeceu ao Papai Noel e ficou observando os primos. "No fim, fui ao ouvido da minha mãe e disse: 'O vovô ficou legal de Papai Noel, né?' Não contei para ninguém mais, mesmo com a sensação de que talvez fosse mais legal não ter descoberto a verdade."