Por Luís Francisco Wasilewski
Pesquisador teatral
O adjetivo “insubstituível” pode ser aplicado a poucas pessoas. Uma delas é Roberto Valfredo Bicca Pimentel (1938-2012), morto há exatos 10 anos. O nome Roberto poucos conhecem, mas o apelido Tatata o tornou uma das personalidades mais importantes de Porto Alegre. Ele costumava dizer que Belinha Abujamra, esposa de Antônio Abujamra e uma das personalidades do meio artístico local, que saiu da cidade na diáspora cênica dos anos 1950 e 1960, sempre que o encontrava, ainda lhe chamava de Roberto.
Tatata sempre relembrava sua ida até a rodoviária para se despedir de Luiz Carlos Maciel, no final dos anos 1950, quando aquele que veio a se tornar um dos mais importantes jornalistas do Pasquim decidiu deixar a capital gaúcha para continuar sua carreira artística em Salvador (BA). Também adorava recordar seu vestibular para Letras na UFRGS, no qual dividiu a sala para a prova de admissão com a jovem manequim e atriz Lilian Lemmertz (1937-1986). Ele concluiu três faculdades: Letras, Direito e Jornalismo. Fez também um curso de cultura teatral com Ruggero Jacobbi e Gerd Bornheim. Não se formou em Artes Cênicas, como chegou a ser divulgado.
Ninguém em Porto Alegre conseguiu ser tão múltiplo quanto Tatata. Circulava com mesma desenvoltura pelo universo da alta sociedade e pela mídia, consagrando-se como apresentador de TV. Não contente, foi professor universitário, mas o tédio do mundo acadêmico fez com que não finalizasse sua tese de doutorado. E também foi figura importante na consolidação da vida noturna da cidade. Primeiro, ao lado de Rui Sommer, na fundação do Encouraçado Butikin. Posteriormente, Tatata ajudou na divulgação da primeira boate voltada para o público gay de Porto Alegre, a histórica Flower’s, de Dirnei Messias. Era uma Porto Alegre em que as grandes casas noturnas eram localizadas em torno da Avenida Independência. E onde, no logradouro da Barros Cassal, 525, havia o bordel de Luisa Felpuda, primeiro lugar da cidade destinado ao público hoje chamado de HSH. Luisa ficou eternizada na literatura brasileira porque Caio Fernando Abreu (1948-1996) dedicou o conto Sargento Garcia, do livro Morangos Mofados, à memória de Luisa. E cujo desfecho, dramático e insólito, Tatata me descrevia e dizia, com seu notório humor cáustico, que podia ser filmado por “aquela espanhola”, ao que eu respondia: “Pedro Almodóvar?”. E ele: “Esta”.
O mesmo Caio F. foi definido por Tatata, em seu programa Gente da Noite, da extinta TVCOM, como “o grande marginal da literatura brasileira”. Isso foi no verão de 2003, quando o programa fez a cobertura do lançamento do livro Cartas: Caio Fernando Abreu, no Santander Cultural. Mal imaginaria Tatata que Caio está completamente canonizado nos dias de hoje, com uma quantidade absurda de pesquisas acadêmicas sobre sua obra. Isso sem falar nas inúmeras frases atribuídas a Caio F. que pululam nas redes sociais. Flora Sussekind definiu com maestria esse fenômeno em volta do autor, chamando-o de “florilégio demente”.
Enquanto os canais televisivos no centro do país apostavam em Dener e Clodovil, Tatata e Roberto Gigante eram similares gaúchos nas emissoras locais. Em uma entrevista de Tatata para o programa de Gigante, os dois brincavam que os espectadores viviam confundindo um com o outro. A ousadia de ambos, como apresentadores, merece sempre ser lembrada por quem for estudar a diversidade sexual na televisão gaúcha.
De tanto ser entrevistado no Gente da Noite, muitos na faculdade me conheciam como “aquele que está sempre sendo entrevistado por Tatata”. Acabamos desenvolvendo uma amizade a partir de nossas afinidades eletivas. O mesmo humor ferino e a paixão pela arte nos unia. Lembro saudoso das tardes em seu apartamento na Rua Olavo Bilac, no qual gargalhávamos de forma ininterrupta sobre certos aspectos provincianos que Porto Alegre cultivava. E muitos deles, mesmo com a passagem de 10 anos, ainda estão enraizados na cidade.