Grato é uma palavra tão pequena. Mais pequena que amor e igualmente potente. Usamos raramente. Porque gratidão implica em reconhecer que alguém mudou a nossa vida. Mas sempre queremos receber todos os méritos sozinhos.
Dividir as conquistas é mais difícil do que dividir a dor. Implica em despojamento, humildade e consciência dos nossos limites.
Talvez você não tenha conhecido Walter Galvani, um dos principais jornalistas gaúchos, biógrafo de Pedro Álvares Cabral no livro Nau Capitânia, que formou centenas de alunos em sua oficina de texto Voo da Gaivota, autor de 13 livros, vencedor do Prêmio Casa de Las Américas, de Cuba, patrono da Feira do Livro de Porto Alegre.
Talvez seu reconhecimento tenha ficado restrito ao Rio Grande do Sul, sua aldeia de pescados e sonhos.
Eu o conheci, eu o amei, sou devedor de nossa convivência.
Ele faleceu na última terça-feira (29/6), de parada cardíaca, aos 87 anos, e não consegui expressar nada na hora. Por excesso de sentimentos, por um engarrafamento emocional entre o coração e a garganta.
Walter foi um dos meus leitores e incentivadores do início da carreira. A partir de convite dele, participei de meu primeiro programa na rádio, que ele comandava no meio da tarde.
Era um poeta desconhecido, e ele me inspirou a falar publicamente quando eu somente escrevia. Com seu jeito sóbrio, com seus óculos de lentes espessas, acalmou o meu nervosismo:
– Você já fez o pior, escrever um livro, falar é consequência disso.
Eu ri, eu entendi o recado, e venci o medo. Depois o convidei para ser professor da disciplina de Biografia no curso que idealizei na Unisinos, de Escritores e Agentes Literários. Repartimos cafés amargos e sobremesas na refeição para compensar todo o açúcar que não usávamos no café. Ele gostava de vestir casacos grossos de marinheiro, com muitos botões, que lembravam antigas casacas. Vivia mentalmente no inverno. Aquecia as conversas com seu riso para dentro, sua gargalhada afônica.
Walter tornou-se o meu protetor, meu professor da gentileza. Era o único de meu círculo que não promovia uma disputa literária com os meus pais escritores, dizia que eu era a ponte entre Maria Carpi e Carlos Nejar.
– Todo filho traz a paz da mistura, jamais a inveja.
Anotava apontamentos a caneta nas obras que lia, alegando que vinha colaborando com a escrita dos outros. Havia uma malandragem inteligente em tudo o que fazia.
Cada amigo teria que contar com o direito de redigir uma frase de homenagem na cal do jazigo, como aquelas camisetas autografadas pelos colegas na despedida escolar.
Um epitáfio é pouco para Walter Galvani. Meu adeus literário, junto a tantos que passaram pela sua vida, seria posto debaixo de seu nome, com letra bem grande: “Grato, minha gaivota”.
Trajetória
Walter Galvani (1934-2021) nasceu em Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Na cidade, ainda no início da carreira na imprensa, ajudou a fundar o jornal Expressão, em 1954. Depois, chegou a ser diretor de redação da Folha da Tarde. Entre seus 13 livros publicados, estão o premiado Nau Capitânia – Pedro Álvares Cabral, como e com o que Começamos (1999), o romance Anacoluto do Princípio ao Fim (2003) e o misto de crônica com pesquisa histórica O Prazer de Ler Jornal (2008). Foi patrono da Feira do Livro da Capital (em 2003) e presidente do Conselho Estadual de Cultura. Ocupava a cadeira 25 da Academia Rio-grandense de Letras.