Inspiração de jornalistas que se aventuraram por textos recheados de detalhes e que usam recursos da ficção literária para dar mais riqueza à sua prosa, o jornalista e escritor americano Tom Wolfe morreu nesta segunda-feira (14), aos 87 anos. De acordo com o jornal New York Times, ele morreu em um hospital de Manhattan, onde estava internado após sofrer uma infecção.
Iniciando a carreira de repórter em 1962 no jornal The New York Herald Tribune, Wolfe tornou-se ícone do movimento literário chamado Novo Jornalismo, que defende um tipo de reportagem com textos mais descritivos, inspirados na ficção. Divide o posto com Gay Talese, a quem Wolfe era semelhante até mesmo na forma de se vestir, sempre trajando ternos e chapéus elegantes, quase sempre de cores claras. No Brasil, o estilo preconizado pelos dois jornalistas encontrou respaldo em nomes como José Hamilton Ribeiro, Audálio Dantas e Eliane Brum.
Tom Wolfe esteve em Porto Alegre em novembro de 2009, quando participou do Fronteiras do Pensamento. Um dos praticantes mais destacados do que se convencionou chamar de "Novo Jornalismo", ele foi também um de seus primeiros teóricos. Em seu famoso ensaio O Novo Jornalismo, apresenta a sua versão do que foi o fenômeno em suas origens. A tese de fundo de Wolfe no texto é que o romance literário, ao enveredar cada vez mais pelas experimentações de linguagem, abandonou a pretensão que movia a grande prosa realista inspirada nos mestres Dostoiévski, Zola, Tolstoi: comprimir e representar o mundo em suas páginas, e esse vácuo havia sido ocupado pelo jornalismo, com repórteres atentos que haviam aplicado técnicas de ficção a seus textos (o uso de mais de um ponto de vista, onomatopeias, descrições que enredam o leitor fazendo-o mergulhar na cena, cortes abruptos de pontos de vista, etc...). De acordo com Wolfe, isso não pedia menos objetividade, como os críticos do Novo Jornalismo alegavam, mas ainda mais objetividade, trabalho de campo, apuração minuciosa não apenas das declarações dos personagens, mas de suas recordações, lembranças, insights...
O ensaio foi publicado no Brasil em compilações com outras de suas grandes reportagens. Nos anos 1980, a L&PM reuniu 21 de seus artigos (embora muitos deles bastante editados) no volume Décadas Púrpuras. Na década passada, a Companhia das Letras republicou alguns desses textos em um volume menor chamado então Radical Chique e o Novo Jornalismo (1970-1975). Diga-se, qualquer coletânea de reportagens do autor costuma ser considerada leitura obrigatória nas faculdades de jornalismo.
Nos anos 1980, Wolfe enveredou pela ficção com seu romance A Fogueira das Vaidades (1984), um retrato abrangente da Nova York dos anos 1980, auge da era yuppie, e que provocou polêmica em vários campos pelo seu retrato ácido de diversos estratos da sociedade. Na trama, um operador da bolsa de valores pega um desvio errado ao dar uma carona para a amante e vai parar em uma vizinhança barra-pesada de Nova York, onde atropela um jovem que aparentemente tentava assaltá-lo. Com a intervenção de um jornalista que dá contornos sensacionalistas ao caso, o acidente de trânsito se torna uma questão política, que Wolfe usa como pretexto para abarcar a ganância amoral dos yuppies, a vacuidade dos discursos de inclusão da esquerda, o papel da imprensa. O livro tornou-se best-seller e seu sucesso serviu para que mais tarde Wolfe criticasse a falta de compromisso dos ficcionistas americanos com a função sociológica de retratar a vida contemporânea. Foi o que ele continuou fazendo em seus romances seguintes, a maioria frutos de um longo tempo de pesquisa e dedicados a montar um panorama de uma determinada faceta da sociedade americana, como Um Homem por Inteiro, Eu Sou Charlotte Simmons e Sangue nas Veias.