Um dos nomes mais importantes da nova geração da literatura brasileira, Daniel Galera lamentou a morte de João Gilberto Noll. Em depoimento por telefone, o escritor falou sobre a influência do autor gaúcho – que teve sua morte confirmada nesta quarta-feira – em sua trajetória. Galera estava a caminho do Prêmio Bravo!, que vai ser realizado nesta noite, e garantiu:
– Se por acaso eu ganhar, vou ter a oportunidade de fazer uma homenagem para ele.
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Leia o depoimento na íntegra:
"Noll foi super importante na minha formação como leitor. Meu pai tinha livros dele em casa, e eu, já adolescente, li. Foi dos autores que mais me impressionou e me marcou antes mesmo de eu escrever.
Quando comecei a escrever, ele era uma das minhas referências de um literatura forte, de uma ressonância existencial imensa, e a maneira como ele retratava Porto Alegre também, tudo isso me marcou muito. Foi um dos principais nomes para onde eu olhava pensando no que poderia tentar fazer como escritor.
Quando a gente fez a Livros do Mal (editora independente que funcionou de 2001 a 2004) e mandamos convites para o evento de lançamento, não recordo se enviamos para ele especificamente, mas foi surpreendente o Noll ter aparecido. Havia muitos amigos, parentes, algumas pessoas de editoras. No meio do evento de lançamento da Livros do Mal, que foi em outubro de 2001, no Garagem Hermética, ele apareceu, entrou, se apresentou, comprou os livros, pediu autógrafo. Ou levou os livros que a gente tinha enviado para ele. Mas ele veio trazendo o meu livro e o do Daniel Pellizzari, que eram os dois lançamentos, pediu os autógrafos e disse que tinha gostado muito. Fiquei um pouco sem ação, falei que era fã dele. Não conversamos muito, e ele se retirou, desejou sucesso para a gente, disse que tínhamos talento. E aquilo foi muito forte pra mim, ver o Noll em carne e osso na minha frente: eu era um autor iniciante, era meu primeiro livro.
O gesto do Noll de ter ido ao lançamento foi muito marcante para mim porque ele não só recebeu os livros como tinha lido, prestado a atenção, tinha vindo nos prestigiar. Eu achei aquilo de uma generosidade enorme, é a postura generosa que alguns autores como o Moacyr Scliar tinham. Até aquele momento eu não esperava isso dele, pela imagem que eu fazia dele, e ali entendi melhor quem ele era, que tipo de pessoa era. Desde aquilo a gente teve uma relação constante, não frequente, mas constante, de troca de e-mails, de prestigiar o lançamento de um do outro.
Eu encontrava ele fortuitamente na rua – em livrarias, cinemas ou simplesmente na calçada. Esses encontros aconteciam uma vez por ano, e era sempre muito marcante para mim.
Seguimos sendo leitores um do outro. Eu participei de um evento em homenagem a ele no Santander Cultural. Mais recentemente, o Noll vinha se envolvendo bastante em oficinas, em conversas com cursos de letras e eventos literários. Então encontrava ele nessas ocasiões também. A gente não se via com frequência, mas eu sentia que tinha uma ligação bem significativa com o Noll. Vi ele na rua faz uns quatro ou cinco dias, eu estava a caminho de um negócio, e o Noll estava entrando em algum lugar, e não desviei pra falar com ele. Fiquei com aquela dúvida se ele tinha me visto e segui caminho. É um instante que me retorna agora. Sabendo que o Noll morreu agora, me arrependo de não ter conversado uma última vez com ele."