Seus belos olhos fizeram história no cinema francês. Em Cais das sombras, de 1938, Marcel Carné fazia Jean Gabin dizer a Michèle Morgan: "Você tem belos olhos, mas sabe disso, claro." Ela sabia. E, em 1946, no 1º Festival de Cannes, foi melhor atriz, por Sinfonia pastoral, que Jean Delannoy adaptou de André Gide. O problema de Michèle Morgan, se é que se pode dizer que foi um problema, foi ter sido a grande estrela de um cinema francês que, nos anos 1950, seria exorcizado pela crítica dos Cahiers du Cinéma.
François Truffaut escreveu um célebre artigo destruindo o que chamava de "cinema de qualidade". Michèle sobreviveu, com aqueles olhos e a elegância que lhe era natural. Na última terça-feira, um comunicado da família anunciou que "os mais belos olhos do cinema se fecharam definitivamente nesta manhã." Michèle Morgan tinha 96 anos. Uma cerimônia religiosa privada será realizada na sexta, em Neuilly-sur-Seine, onde ela nasceu. Uma câmara-ardente está prevista, na sequência, em Paris, para que os franceses possam se despedir do mito.
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Durante dez anos seguidos, ela foi eleita pelo público a mais popular estrela de cinema da França, nos anos 1940 e 1950. Tinha apenas 17 anos ao estrear, em 1937, em Gribouille, de Marc Allégret. No ano seguinte, foi o estouro de Quai des brumes – e os diálogos eram de Jacques Prévert, o poeta parceiro do diretor Carné. O filme é considerado um marco do realismo poético. Durante a II Guerra, foi importada por Hollywood, que tentou fazer dela uma nova Greta Garbo. Fez filmes de prestígio nos EUA – Joana de Paris, de Robert Stevenson, Passagem para Marselha, de Michael Curtiz, com Humphrey Bogart.
De volta à Europa, seguiu fazendo filmes de prestígio – O ídolo caído, de Carol Redd, baseado no romance de Graham Greene; Fabíola, o épico de Alessandro Blasetti; e As grandes manobras, de René Clair. A nouvelle vague, por identificá-la com o tal cinema de qualidade, não soube ou não quis valorizá-la. Diziam que era uma atriz "fria", distante. Era uma dama. Teria sido genial como loira fria de Alfred Hitchcock. Em 1968, Michel Deville resgatou-a em Benjamin, com Catherine Deneuve e Michel Clementi. Em 1975, Claude Lelouch deu-lhe seu último papel no cinema em O gato e a rainha, com Serge Reggiani e Jean-Pierre Aumont. Aos 55 anos, Michèle Morgan despedia-se do cinema, mas ainda faria uma participação no folhetim de TV La rivale, A rival, em 1999.