No fim da adolescência, naqueles conturbados anos 1970, o pernambucano Geneton Moraes Neto se inquietava com uma preocupação comum aos garotos de sua idade: qual profissão seguir? Parecia uma pergunta descabida para um jovem que, já aos 12 anos, criou um jornal para narrar as partidas de futebol de botão disputadas com amigos; que, aos 13 anos, colaborava para o suplemento infantil do Diário de Pernambuco; e que, aos 16, já frequentava a redação esfumaçada pelos cigarros de repórteres responsáveis pelo barulho frenético ao datilografar os textos da edição dia seguinte nas suas máquinas Olivetti verdes. Ele ainda estava dividido entre a história e o jornalismo. Para nossa sorte, escolheu fazer história no jornalismo.
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Em quatro décadas e meia de profissão, Geneton se consagrou por acreditar ser possível juntar duas coisas aparentemente inconciliáveis: o antigo e o novo. Nesse trabalho de escavar o passado à caça de alguma novidade, o repórter-arqueólogo usou a entrevista como ferramenta. Tornou-se o "maior entrevistador do Brasil", como muitos diziam. Durante a carreira, registrou inconfidências de artistas, arrancou confissões de militares da ditadura e descobriu segredos de presidentes da República.
– Todo profissional precisa de uma bandeira. Escolhi uma: fazer jornalismo é produzir memória – afirmou ao Memória Globo.
Cada entrevista de Geneton valia por uma aula. Logo nos primeiros segundos do material que apresentava na Rede Globo, onde começou a trabalhar nos anos 1980, ele exibia todo o esforço em busca da originalidade. Diferentemente do padrão no telejornalismo, ele costumava delegar para locutores como Cid Moreira e Sérgio Chapelin a narração das histórias dele. Dizia que uma voz marcante dava peso às notícias, mas também admitia o desconforto em estar no vídeo. Sua praia era o texto – o que não significa dizer que detestava a imagem. Nutria paixão pelo cinema e tentava exprimi-la em suas produções, quando estimulava os repórteres cinematográficos a adotarem ângulos incomuns durante as gravações.
A lição se completava quando Geneton concedia espaço a si próprio e permitia que o público ouvisse suas perguntas. Não havia bajulação, nem cumplicidade, nem qualquer outro sinal de "entrevista congratulatória", como classificava esta praga que infesta o jornalismo, sobretudo o de celebridades. Havia preparo prévio, transcrito em roteiros rasurados à caneta, de onde ele tirava uma porção de questões tentando jogar luz em algum episódio nebuloso ou em alguma frase antiga mal explicada. Para descobrir o novo, é preciso saber o que é velho.
– Fazer jornalismo é ter a certeza de que não existe assunto esgotado – repetia.
Com essa tese, lutava contra o que chamou de Síndrome da Frigidez Editoral. Em dezenas de textos na internet, ele protestava contra editores e outros burocratas capazes de "jogar notícia no lixo como quem se descarta de um copo de papel sujo de café” – o que tornava "chato, gélido, amorfo, cinzento" o jornalismo brasileiro. As observações podiam soar como autocrítica: Geneton foi editor-executivo do Jornal Nacional e editor-chefe do Fantástico.
Para tentar escapar dessa doença, ele defendia que os jornalistas acendam velas para Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, canonizada pelo papa da literatura norte-americana Kurt Vonnegut.
– Minha luta interna é para não perder a capacidade de se espantar com as coisas. Minha luta interna é para não perder a inocência, o olhar espantado de uma criança vendo fogos de artifício – explicou ao cineasta Jorge Furtado, que chegou a criar uma oração para a santa em meio à produção do documentário O Mercado de Notícias.
Sem Geneton, que morreu na última segunda-feira, aos 60 anos, vítima de um aneurisma, o jornalismo brasileiro perde um pouco a sua capacidade de ser surpreendido. Resta aos jornalistas seguir o mestre. Comecemos a reza: "Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, rogai por nós".